28/07/2009

Um dia típico em Apiwtxa

por Tete*

O dia em Apiwtxa, localização da comunidade dos Ashaninkas, amanhece vagarosamente, com uma sonoridade natural que aumenta pouco a pouco, à medida que as horas vão passando. Dentro daquela rede cor de cereja, enrolado feito uma lagarta em seu casulo, meu saco de dormir, coberta pelo mosquiteiro branco que impedia a visão,


podia escutar a progressão dos sons com o passar das horas. Adormecíamos ao som da orquestra dos sapos e grilos. Amanhecíamos com o cantar dos galos, naturalmente. Depois vinham as risadas das crianças que bem cedo já saboreavam a liberdade e arbítrio desconhecidos pelas crianças das cidades. Sim, desconhecido arbítrio, pois é mais que uma escolha, é mais que um desejo, é uma vontade sem constrangimento externo. Paulatinamente o sereno transforma se em orvalho que perde seu lugar para o sol. Ali, naquela oca de teto de palha, de chão áspero de madeira, rodeada por árvores frutíferas, naquelas redes, uma do lado da outra, sentíamos a presença do sol no momento em que ele botava sua carinha pra fora.

E o que representa o sol para os índios? Estrela fundamental do nosso sistema planetário? Não poderia representar nada menos que a vida. Um dia sem sol na floresta, nem é apenas um dia nublado, feio, escuro, melancólico, triste… É um dia que toda a teia complexa de plantas e animais que ali convivem têm, de alguma maneira, menos energia.


O dia progredia com as atividades habituais – café da manhã com banana cozida e aipim entre bate papos com D. Glorinha, que com muito carinho preparava as refeições ao lado de Goia, que muito nos ensinou sobre os costumes indígenas, e seu pequeno Oviru, tímido, porém sempre presente, observando, estudando nossa presença a seu próprio modo.


Foram durante esses bate papos que aprendemos que as índias dão a luz sozinhas, em algum canto da floresta, onde escolhem um local para passar pelo processo de parto, do presente da vida, a sós. Cortam os cordões umbilicais com a taboca – tipo de bambu e já voltam com seus bebês enroladinhos, prontos para serem apresentados a comunidade. Também matamos a curiosidade da nossa observação que havia poucos adolescentes na aldeia, ou não havia, pois avistávamos adultos, crianças e bebês apenas. Descobrimos depois que o que caracterizamos de adolescentes nas cidades tem um contexto bem diferente na tribo. Meninas muito jovens já têm filhos, aos 15, 16 anos. Meninos dessa idade já têm as responsabilidades como as dos outros homens – caçar, pescar, cuidar da família. Para a mulher a vida é dividida entre pré e pós menstruação e poder conceber um filho. Idade nesse contexto é totalmente relativo, portanto a vida tem a etapa da infância e maturidade, a juventude está mesclada por ali e vista de uma maneira diferente de nós, da cidade, preocupados em desenvolvimento pessoal e profissional, relacionamentos, casamento, engajamento no mercado de trabalho, remuneração, etc, etc, etc.

Mais uma curiosidade foi a de como evitar filhos, afinal eles são conhecedores profundos de remédios naturais e íntimos da floresta. Existe sim um método contraceptivo que exige um tratamento ao lado do cacique que oferece certa folha e certo chá e durante um período a mulher abdica de carne de caça e doce e é ordenada a abstinência sexual. Depois desse tratamento a mulher não conceberá mais filhos. A única desvantagem? É irreversível.

E depois do café da manhã viriam os banhos de rio, caminhadas pela floresta, acampamento na praia (do rio, pesca, brincar com as crianças, comer uma queixada (carne de porco selvagem na brasa) ou um peixe na folha de bananeira e peixe na taboca (bambu).




Aqui o senso de culpa é inexistente. Se um já caçou ou pescou, cozinhou e comeu, porque não deitar na rede? Nadar contra a correnteza e dar umas boas risadas? Fazer uma pulseira de miçangas? Ou uma palavra cruzada? Essa sensação de “let it be” – deixar ser, simplesmente, ou deixar-se divagar não é nada comum na cidade. Fora daquele contexto é atordoada pela culpa estabelecida pela religião. Sim, a religião que supostamente é nossa orientação para a tão buscada felicidade nos impõe a culpa.

Transitar pela aldeia era como entrar num livro de fotografia, daqueles grandes, pesados, que poucos abrem e meramente decoram a mesa da sala. É um livro de um tema que sabemos que existe, ali, em algum canto remoto e distante da nossa realidade, mas em nosso país. Porém é um livro raramente visitado, e como obras de fotografia são apenas manifestações visuais com pouca aclaração – sobre crenças, costumes, inquietações, dificuldades…


Apenas vendo as fotografias não sabemos que além das feições exóticas e trajes alegres existem tribos que ainda vivem em total isolamento, sem nenhum contato com o homem branco ou civilização, que muitas tribos estão com seu habitat natural ameaçado por oleodutos em construção que estão poluindo os rios – sua fonte de água, banho, pesca. Não sabemos que a fronteira entre o Brasil e Peru naquela região é imaginária, na mata fechada, sem polícia federal, sem controle de passaporte, madeireiras ilegais e produção de drogas ilícitas. Não sabemos do que acontece pela fronteira e o impacto nas comunidades que ali residem – construções de estradas, hidrelétricas, oleodutos, ferrovias, que ao serem erguidas, esquecem que nessa passagem existem tribos indígenas e pequenos povoados, que depois dessas construções, aonde vão parar?


São por esses desafios que o centro de estudos Yorenka Ãtame está disseminando informativos sobre dinâmicas transfronteiriças entre Brasil e Peru, liderado por Benki Piyãko, um dos pajés da tribo que já visitou a França durante o ano do Brasil e a Alemanha, visitando organizações não governamentais divulgando seu trabalho na Yorenka e foi palestrante sobre a situação das tribos indígenas na Amazônia.

Ao saber que seu mundo já não se resumia a Apiwtxa e Marechal Thaumaturgo (onde fica a universidade da floresta), indaguei:

“Conforme você vai conhecendo mais do mundo, você impressão que ele é menor ou maior do que você imagina?”

Ele respondeu: “Nós, que temos a espiritualidade desenvolvida, sabemos bem o tamanho do mar, da floresta, dos continentes; não precisamos estar lá ou ver para saber.”


Achei interessante a resposta dele. À medida que conheço pedaços desse mundo enorme e conheço pessoas em lugares diferentes, tenho a impressão que ele vai encolhendo.

* Tete, Escapismo Genuíno, 28/07/2009

09/07/2009

Encontro reuniu organizações no Juruá para discutir problemas da fronteira Brasil-Peru

por Grupo de Trabalho Transfronteiriço*


Do dia 30 de junho a 03 de julho foi realizado o 11º Encontro do Grupo de Trabalho para a Proteção Transfronteiriça do Alto Juruá e Serra do Divisor, realizado no Centro de Saberes da Floresta Yorenka Ãtame, em Marechal Thaumaturgo. O evento debateu os projetos de infra-estrutura realizados e planejados na fronteira do Acre com Ucayali, no Peru, e os impactos causados por essas atividades aos moradores da região.

Lideranças dos povos Huni Kuĩ (Kaxinawá), Ashaninka, Kuntanawa, Jaminawa-Arara, Apolima-Arara e Manchineri compareceram ao evento, ao lado de moradores do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD), da Reserva Extrativista do Alto Juruá e das comunidades do entorno. Lideranças dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Marechal Thaumaturgo e de Rodrigues Alves e representantes das organizações de professores, de agentes agroflorestais indígenas e do WWF-Brasil também participaram.

O encontro teve como propostas atualizar as informações aos participantes sobre as grandes ações em curso na fronteira, como a construção de estradas, prospecção e exploração de petróleo e gás natural, concessão de lotes de madeira, entre outras; avaliar os compromissos firmados pelas organizações em reuniões passadas; e dar continuidade à articulação entre o movimento social na fronteira.

O encontro foi realizado pela Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/AC) e SOS Amazônia, em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Marechal Thaumaturgo e com o apoio da Rainforest Foundation Noruega (RFN), através do projeto Fortalecimento dos Povos Indígenas e Conservação da Biodiversidade na Fronteira Brasil-Peru.

Assuntos discutidos

No primeiro dia, foi feita uma apresentação atualizando a situação das atividades legais e ilegais que ameaçam os moradores da região. No dia seguinte, foi a vez das lideranças indígenas, representantes dos sindicatos e moradores do entorno relatarem os impactos causados por essas ações nas comunidades.

“A estrada que está sendo planejada para ligar Puerto Esperanza (próxima a Santa Rosa do Purus) a Iñapari (vizinha de Assis Brasil) pode cortar uma área que já está sendo afetada pelos madeireiros e traficantes de drogas. Mais de uma vez já prendemos traficantes em nossa terra”, denuncia Lucas Manchineri, morador da Terra Indígena Mamoadate, no município de Assis Brasil.

João da Costa, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marechal Thaumaturgo, acha que deveria haver mais fiscalização do lado brasileiro. “Têm pessoas caminhando constantemente pela fronteira e eu não sei o que trazem de bom ou de ruim para oferecer do Brasil pra lá e do Peru pra cá. Eu, que fui criado na mata, estou muito preocupado, porque hoje nós vivemos uma outra realidade”, conta.

No dia 02, os participantes avaliaram os compromissos assumidos pelo grupo de trabalho nos últimos encontros e discutiram perspectivas para a continuidade das atividades do grupo. No último dia, foi lido e debatido o documento final deste 11º encontro, contendo as informações detalhadas do que foi discutido nesses quatro dias de conversas. Também foi lançado o primeiro número do informativo “Dinâmicas Transfronteiriças Brasil-Peru”, com 16 páginas de informações sobre o que acontece na fronteira e os impactos que as comunidades locais sofrem.

Mudanças climáticas

Neste encontro, o Grupo de Trabalho Transfronteiriço incluiu na sua pauta de discussões, pela primeira vez, as mudanças climáticas globais e como as populações da região do Vale do Juruá sentem e se adaptam a essas transformações. Procurava-se abordar este tema fazendo uma relação com os processos fronteiriços tratados no evento.

Benki Pianko, outra liderança Ashaninka, contou o que vem acontecendo na sua aldeia. “Esse ano está chovendo até agora. O rio muito cheio é coisa que não acontece. Foi tanta chuva que as roças alagaram e as raízes morreram porque não tem sol para secar a terra”. Aproveitando a ocasião, denunciou que “há quatro anos morreu gente com a intoxicação de fumaça das queimadas e não foi falado pra ninguém. Disseram ser gripe e dor de cabeça. Mas nós sabemos que foram as queimadas”.

Índios Isolados

Um dos pontos referentes à fronteira Brasil-Peru é em relação aos índios isolados habitantes de territórios já demarcados para os povos do Acre, como os Huni Kuĩ, Ashaninka e Manchineri. No 11º Encontro, foi reiterada a questão da convivência pacífica com os isolados, tendo em vista que a aproximação desses índios, ocasionada pelas atividades realizadas na fronteira, estão gerando conflitos com as comunidades locais, como acontece na Terra Indígena (TI) Kaxinawá do Rio Humaitá.

“Não sofremos tráfico de drogas e nem extração de madeira. O impacto maior são os roubos dos parentes isolados”, afirmou uma das lideranças da TI, Antonio Tuin Kaxinawá. Ele vem participando das discussões sobre este assunto há algum tempo e sua terra foi a primeira a receber a oficina de informação e sensibilização sobre os isolados, em maio deste ano.

* Leia o relatório completo do 11º Encontro do Grupo de Trabalho para a Proteção Transfronteiriça do Alto Juruá e Serra do Divisor, AQUI

** Leia o “Informativo Dinâmicas Transfronteiriças Brasil-Peru”, AQUI

08/07/2009

Dinâmicas Transfronteiriças Brasil-Peru

Para ler o Informativo Dinâmicas Transfronteiriças Brasil-Peru - Junho/2009, basta clicar à direita (Fullscreen) no pé da página a seguir:

06/07/2009

Documento final do XI Encontro do Grupo de Trabalho Transfronteiriço

Do dia 30 de junho a 03 de julho o Grupo de Trabalho Transfronteiriço (GTT) se reuniu em Marechal Thaumaturgo para o 11º Encontro do Grupo de Trabalho para Proteção Transfronteiriça da Serra do Divisor e Alto Juruá Brasil-Peru.

Para ler o Documento Final do Encontro, basta clicar à direita (Fullscreen) no pé da página a seguir: