Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, 24 de agosto de 2010,
Amigos,
Publicamos a seguir uma carta que recebemos do Ministro Mauro Campbell Marques à respeito da nossa nota
Repudiamos a atuação do Ministro Mauro Campbell Marques do STJ.
Pedimos a todos que leiam com atenção a carta do Ministro, porque com ela ao mesmo tempo em que demonstrou consideração ao nosso apelo por Justiça também nos deixou ainda mais preocupados.
O Ministro nos afirmou conhecer
“profundamente todo o fato ora sob exame nesse recurso e o absurdo que foi cometido contra a natureza e contra os índios”. E, na carta, escreve:
“FALEI, EM VOZ ALTA, PERANTE TODOS, E REPUDIEI PUBLICAMENTE O QUE FOI FEITO CONTRA ESSE POVO INDÍGENA”.No entanto, afirma também que o que pende de manifestação em seu VOTO-VISTA é, exclusivamente, uma
“prejudicialidade processual”:
“Nesta fase de julgamento, a de EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, só estou fazendo análise de um ponto específico e que não se relaciona com os fatos criminosos praticados contra esse Honrado Povo Indígena, é apenas uma questão processual.”Isto que o Ministro Mauro Campbell Marques chama de “prejudicialidade processual” e “questão processual” se refere ao tempo que a própria Justiça levou para condenar Oleir Cameli e Abrahão Cândido por seus crimes.
O que discutem, hoje, na Segunda Turma é se o crime cometido por Cameli e Abrahão - contra o nosso povo, contra a floresta, contra a Constituição Federal e contra o planeta, 29 mil hectares de madeira de Lei devastados, 1374 metros cúbicos de mogno e 1374 metros cúbicos de cedro tombados, aberturas de estradas e destruição de inúmeros igarapés em uma das regiões de maior biodiversidade do planeta, infundando em nosso povo, por sete longos anos, de 1981 a 1987, o mais pavoroso terror com seu poder de mando, armas, ameaças e destruição - discutem se o crime cometido por Oleir Cameli e Abrahão Cândido prescreveu ou não prescreveu.
O que o Ministro Mauro Campbell Marques discute hoje na Segunda Turma do STJ é se o fato de a Justiça ter demorado quase 30 anos, 30 longos anos de ausência, morosidade e impunidade, para julgar os crimes de Oleir Cameli e Abrahão Cândido não acabou por prescrever os crimes de Oleir Cameli e Abrahão Cândido.
O Ministro nos disse que
“é importante estudar com afinco esse tema da imprescritibilidade do dano ambiental e não das ações de reparação do dano ambiental”. Em sua carta ele escreve:
“Aprendi nos bancos da faculdade de Direito que imprescritível é aquilo que a Constituição afirmar como tal... não deixarei de expressar meus pontos de vista técnicos pois estou em um Tribunal de Precedentes, além do que, como reza Marco Aurélio Mello, processos não possuem autuação e sim conteúdo.”Amigos, a comunidade Apiwtxa soube dos seus direitos quando aprendeu a ler a Constituição Federal. Os crimes de Oleir Cameli e Abrahão Cândido foram e são, ainda hoje, crimes contra a Constituição Federal.
E a Constituição Federal diz (Art.231 § 4º) que as terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
CAPÍTULO VIII
DOS ÍNDIOS
Art. 231 - São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
§ 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3º e 4º.
Art. 232 - Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.
Como reza a Constituição (Art. 129), o Ministério Público, em sua função de defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas, tem defendido judicialmente os direitos e interesses do povo Ashaninka.
Diferentemente de Oleir Cameli e Abrahão Cândido, não temos advogados em Brasília, como sugeriu o Ministro Mauro Campbell Marques. Contamos, graças à Constituição, com a ajuda do MPF e não temos como acessar da floresta onde moramos as notas taquigráficas. Mas temos acesso, sim, ao que é informado ao público pelo STJ, que o Ministro Mauro Campbell Marques foi quem pediu vistas e tem indicado o adiamento do julgamento.
Pedimos formalmente a todos os Ministros, e à Presidência da Segunda Turma urgência no julgamento. O STJ precisa cumprir o seu dever e chegar a uma conclusão rapidamente.
O povo Ashaninka da aldeia Apiwtxa do rio Amônia não aguenta mais esperar para ver reparado um crime e uma injustiça tão grande, que é crime e continuará sendo independentemente do tempo em que ocorreu, e cujos danos à floresta e ao nosso povo, são imprescritíveis, indeléveis, permanentes. Nunca mais a floresta devastada por estes homens voltará a ser como era. E o nosso povo nunca mais será o mesmo, o dano que causaram ao nosso povo não tem cura.
Confiamos na Constituição Federal, confiamos na Justiça brasileira, e esperamos, assim como o Brasil espera, que os criminosos Oleir Cameli e Abrahão Cândido sejam punidos e condenados a reparar todos os seus crimes.
Isaac Pinhanta Ashaninka e Benki Piyãko AshaninkaCarta de Esclarecimento do Ministro Mauro Campbell Marques
Caríssimos Cidadãos,
Chega ao meu conhecimento um manifesto dessa honrada tribo que muito me toca por inúmeros aspectos. O primeiro deles diz respeito a absoluta falta de conhecimentos dos senhores acerca do que se passou no julgamento originário na nossa Segunda Turma, oportunidade em que FALEI, EM VOZ ALTA, PERANTE TODOS, E REPUDIEI PUBLICAMENTE O QUE FOI FEITO CONTRA ESSE POVO INDÍGENA. Basta que peçam aos senhores advogados e procuradores que defendem os interesses dos senhores nesse recurso as notas taquigráficas daquela sessão de julgamento para verificarem o grau de injustiça da manifestação de repúdio que ora esclareço.
Segundo: é que o reiterado ADIAMENTO está ocorrendo por pedidos sucessivos de um dos meus colegas, o senhor Ministro HERMAN BENJAMIN, que está fazendo uma análise mais detalhada do problema abordado no meu voto para, só assim, poder proferir o voto dele.
Sou um Ministro cumpridor de meus deveres e célere nos meus julgamentos, aliás, um dos integrantes do STJ que mais rápido trabalha com seus processos, nada a merecer elogio algum de ninguém já que é meu DEVER agir assim.
Sei que o que agora vou escrever não é igualmente necessário, MAS FIQUEM CERTOS DE QUE NÃO ME OFENDI COM AS CRÍTICAS E ME ORGULHO EM PODER DAR ESTA SATISFAÇÃO AOS SENHORES, INDEPENDENTE DO RESULTADO FINAL DESSE JULGAMENTO.
Quanto às respostas às perguntas feitas no manifesto dos senhores, espero que as encontrem nas notas taquigráficas que bem reproduziram o meu pensamento naquela sessão.
Esclareço, ainda, que nesta fase de julgamente, a de EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, só estou fazendo análise de um ponto específico e que não se relaciona com os fatos criminosos praticados contra esse Honrado Povo Indígena, é apenas uma questão processual que mereceu especial atenção deste mero Juiz e que, de tão importante, provocou no Ministro Herman Benjamin a necessidade de melhor análise do caso.
Renovo meu apreço e minha responsabilidade pela defesa da Constituição e da Leis do nosso País, bem como minha convicção de que é por atitudes como a dos senhores que poderemos chegar a uma Estado realmente Democrático de Direito.
Cordialmente,
Mauro Campbell Marques
20 de agosto de 2010