por Carolina Monteiro, com fotos de Pedro França,
Comunicação Social/MinC, Ministério da Cultura, 06/09/2010.
Na quinta-feira, 2 de setembro, segundo dia da passagem da comitiva do Ministério da Cultura pelo Acre, as atividades começaram cedo. Às 6h30, todos já estavam de pé para tomar o café da manhã no refeitório do Centro Yorenka Ãtame e, logo depois, seguir para os barcos que esperavam na beira do Alto Juruá. O destino era a aldeia Apiwtxa, da comunidade Ashaninka, localizada às margens do Rio Amônea, a três horas e meia dali.
Essa foi a segunda visita de um ministro da Cultura à aldeia dos Ashaninka, no Acre. A primeira foi em 2008, quando Gilberto Gil ainda ocupava o cargo. Na ocasião, o então secretário executivo Juca Ferreira não pôde acompanhá-lo.
A subida pelo rio, com a comitiva dividida em diversos barcos, é longa. No caminho, muitos troncos encontram-se caídos nas águas. É o reflexo do desmatamento desordenado e da erosão das margens, devido à época de pouca chuva. Os barcos foram chegando aos poucos, e, no alto de um barranco, muitas crianças esperavam a comitiva. Com olhares curiosos, um pouco envergonhadas, acompanharam a chegada de cada um.
Kaiaçuma e tambores
Já no pátio onde a festa aconteceria, o ministro da Cultura foi recebido com frutas e kaiaçuma, uma bebida feita à base de mandioca fermentada e água. Como a ocasião era especial, a irmã de Benki e Francisco, Dora, havia preparado quase 300 litros dela (o líquido é preparado em caixas d´água com 150 litros, cada).
E foi assim, entre goladas de kaiaçuma, sempre servida em cumbucas por uma jovem índia, e as cores e a alegria contagiante do povo Ashaninka, que os irmãos Pyanko apresentaram um pouco de sua cultura e de seus costumes a Juca Ferreira e à comitiva que o acompanhava.
Após o almoço e uma breve sesta, Benki e Francisco convocaram todos da comunidade para formar uma grande roda no pátio para uma conversa. Eles queriam apresentar todos do Ministério da Cultura ao seu povo. Para que a comunicação fosse geral, falaram em português e em aruak.
Francisco fez uma fala emocionada sobre a trajetória de sua família. “Isso que estou relatando para vocês é pouco, perto do que passamos. Vi meu pai ser enganado por seringueiros e nossas mulheres, maltratadas. Ainda muito jovem, comecei a seguir as orientações do meu avô e da minha mãe, de começar um diálogo com o povo branco e, assim, tentar buscar uma relação de equilíbrio entre nós”, contou.
O filho mais velho de Antônio e Francisca, o casal que deu início a esse processo de aproximação entre índios e não índios, hoje, praticamente não mais vive na aldeia, e parece sentir uma certa amargura em relação a isso. No entanto, ele sabe que essa foi uma missão traçada pelo seu avô, Samuel Pyanko, para salvar sua comunidade. “Me afastar daqui, ter que aprender a lidar com a cultura lá de fora, me custou muito. Hoje, venho para a aldeia a cada dois, três meses, e fico apenas poucos dias. Mas tem que ser assim”, disse.
Já Benki explicou à comunidade a importância do apoio do Ministério da Cultura nas conquistas realizadas por eles. “Queremos que essa parceria seja apenas o começo. Acreditamos na possibilidade de uma convivência harmoniosa para o bem da nossa floresta”.
Costumes AshaninkaO povo Ashaninka tem descendência andina, vindo de territórios, hoje, localizados no Peru. Os homens usam vestes de cores claras, salpicadas por desenhos de diferentes formatos e cores, feitas com um tecido fabricado por eles mesmos. Já as mulheres usam tecidos mais escuros, comprados nas zonas urbanas. Todos se embelezam com a ajuda de acessórios como pulseiras, brincos e colares muito coloridos, feitos, principalmente, com miçangas, sementes, folhas e penas. Seus rostos estão quase sempre pintados de urucum.
É costume da comunidade que meninos por volta dos 12 anos já comecem a construir a casa onde, futuramente, morarão com suas esposas. O namoro começa cedo, por volta dos 13, 14 anos, e em poucos meses já vira casamento. As moças ashaninkas tornam-se mães muito jovens e têm vários filhos. No entanto, aos homens é permitido ter mais de uma mulher, desde que eles tenham condições de sustentá-las.
Na aldeia Apiwtxa, todos falam o aruak. As crianças começam a aprender o português só por volta dos 10 anos. Os mais velhos são respeitados e são símbolos de sabedoria. Para eles, a palavra “envelhecer” não faz o menor sentido. O correto, segundo Benki, é “ficar carregado de sabedoria”. A alegria e o sorriso parecem uma marca registrada da comunidade. Todos são muito falantes, não importa a idade. Eles não seguem o calendário romano e não tiram o sábado e o domingo para descansar. Todos os dias são de trabalho e podem ser, também, de diversão.
A equipe do MinC, junto ao ministro Juca Ferreira, passou a noite na aldeia e dormiu em redes, em uma casa de arquitetura típica dos Ashaninkas, sem paredes e alta, como palafitas (é uma prevenção contra os períodos de cheia do rio). Logo após a roda de conversa, todos jantaram, e a batucada de alguns tambores começou. Índios e não-índios dançaram, riram, se divertiram e aprenderam um pouco mais uns com os outros.
Às 6h30 da manhã da sexta-feira, 3 de setembro, a claridade já despontava e acordava quem não tinha agüentado passar a noite em claro. Foi o momento de passear mais um pouco pela aldeia, tomar um café-da-manhã típico e se despedir – mas uma despedida mais para ‘até breve’, já que o Ministério da Cultura acompanhará a construção do Centro de Cultura da Floresta pelos próximos anos.
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