10/06/2009

Índios em Berlim

por Rafael Ventura*

Antes que anoitecesse durante uma prolongada tarde do verão alemão, representantes brasileiros do grupo indígena dos Ashaninka discursavam, na quarta-feira dia 27 de maio, num Kneipe berlinense. Era a primeira aparição em Berlim de Moisés e Benki Ashaninka numa série de palestras e encontros organizada por eles com ajuda de ONGs internacionais, encerrado em 6 de junho. Até lá, os líderes Ashaninka terão percorrido cidades européias para alertar e informar o público internacional sobre ameaças diretas não só às terras indígenas, mas também a todos os outros “povos da floresta”, nas palavras acolhedoras de Benki.

Notável é o arsenal que os Ashaninka encontraram para lutar, dentro e fora do país, contra madeireiras e invasores de terras. Com câmaras digitais empunhadas pela população local, eles já rodaram ao longo dos últimos anos dezenas de médias-metragens (alguns deles disponibilizados aqui). Ao mesmo tempo em que retratam a vida diária da população Ashaninka, os filmes divulgam também os interesses políticos da aldeia. Dessa vez, escolheram exibir o título A gente luta, mas come fruta, coroado no Brasil com o primeiro lugar no Prêmio Panamazônico ActionAid 2007.

Após os quase 90 minutos de projeção, Benki respondia às perguntas curiosas do público majoritariamente de pele branca. “Temos 150 pontos de internet espalhados pela floresta”, desfazia o líder, com voz calma, a imagem estereotipada de isolamento, “e a informação é a nossa principal arma contra o desmatamento”. A idéia é permitir difusão e acesso rápidos a informações sobre desmatamento e invasões de fronteiras para que os órgãos competentes sejam acionados sem demora.

Em meio à mata escura e alta e ao longo de rios barrentos da bacia Amazônica, o filme acompanhava também a patrulha nativa em prol do patrimônio ambiental sobre sua vigilância. Caçadores ilegais e as infames madeireiras são os principais motivos de desassossego dentro das terras Ashaninka, demarcadas pela FUNAI e reconhecidas pelo governo federal apenas em 1992.

Desde então, os mil e trezentos Ashaninka em solo brasileiro (e mais outros tantos milhares do outro lado da menos favorecida fronteira com o Peru) se converteram num caso exemplar de auto-suficiência. Com projetos de reflorestamento direcionados, multiplicaram árvores frutíferas em regiões mais próximas à aldeia. “As animais comem as frutas e a gente come eles”, se alegrava Moisés em frente à audiência. Assim, conseguiram aliar o ideal de preservação ambiental com a caça e a coleta, formas tradicionais de subsistência.

Sarah Reinke, representante da Gesellschaft für bedrohte Völker que acompanhou os líderes indígenas em encontro com parlamentares alemães, na última quinta-feira dia 28, acredita que a presença dos Ashaninka em solo europeu possa catalizar mudanças. “Houve muitas promessas de apoio e de intervenção diplomática com os governos do Peru e do Brasil”, disse ela. “O nosso papel agora é ficar de olho e garantir que mudanças aconteçam”.

Em dezembro, os líderes Ashaninka devem voltar a Europa, desta vez para participar da Conferência sobre o Clima, organizada pela ONU, em Copenhague. Talvez Benki possa então repetir seu apelo a uma platéia ainda maior: “Sem rios, não teremos água. Sem florestas, não teremos ar. Sem terra, não teremos comida”.

* Rafael Ventura, Carta Capital, 09/06/2009

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