24/08/2008

Etnia ashaninka denuncia ação da Petrobras em terras de índios isolados

por Altino Machado*

Lideranças ashaninka da Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, no Brasil, dizem que a Petrobras está preparada para iniciar atividades de prospecção e exploração de petróleo e gás, no alto rio Juruá, no Peru, em lote sobreposto a territórios de comunidades nativas e de índios isolados

- A nosso ver, a intenção da Petrobrás constitui uma flagrante e condenável contradição com o discurso de responsabilidade socioambiental adotado pela empresa no Brasil e com a legislação que a empresa é obrigada a respeitar em nosso país - afirma documento da Associação Ashaninka, presidida por Moisés da Silva Piyãko (foto), enviado ao presidente da Unión de Comunidades Indígenas Fronterizas del Peru (UCIFP), Edison Panayfo. [Leia o documento na íntegra, AQUI]

O posicionamento dos ashaninka, que vivem no Acre, na fronteira com o Peru, é uma resposta ao convite que receberam para participar do “I Taller de Capacitación y Fortalecimiento en Actividades de Hidrocarburos para Líderes Indígenas”, na Comunidad Nativa Nueva Shauaya, para discutir temas relacionados à prospecção e exploração de petróleo e gás, preparar as comunidades indígenas para os “os novos desafios do desenvolvimento sustentável” e “lograr relações harmoniosas entre o Estado, as empresas petrolíferas e as comunidades”.

Aproveitando possibilidade aberta pela legislação peruana, a empresa brasileira Petrobras Energia Peru S.A. tornou-se, em dezembro de 2005, concessionária, por um período de 40 anos, do Lote 110, localizado no alto rio Juruá peruano, em águas binacionais, com extensão de 1,4 milhão de hectares. O lote é sobreposto à Reserva Territorial Murunahua e a territórios de comunidades ashaninka, jaminawa e amahuaca, já titulados ou reivindicados.

A leste, o lote tem limites, ainda, com o Parque Nacional Alto Purús, estando sobreposto à sua zona de amortecimento, no trecho onde está a Reserva Territorial Mashco-Piro, criada em 1997 para proteger grupos isolados Mashco-Piro.

Conseqüências no Brasil

Os ashaninka assinalam que, nos últimos 15 anos, têm planejado e posto em prática ações voltadas ao aproveitamento sustentado dos recursos naturais de seu território e a melhoria da vida de suas famílias. Com iniciativas próprias e mobilizando órgãos do Estado brasileiro, têm procurado vigiar e defender os limites de sua terra indígena e alertar para as graves conseqüências sociais e ambientais da atividade madeireira em territórios indígenas e unidades de conservação em ambos os lados da fronteira Brasil-Peru, especialmente nos altos rios Juruá, Amônia e Tamaya.

- As concessões feitas nos últimos anos pelo Estado peruano a empresas de vários países de lotes destinados a prospecção e exploração de petróleo e gás no alto rio Juruá e no rio Tamaya, sem qualquer consulta prévia, informada e de boa fé aos povos e comunidades indígenas sobre cujos territórios os lotes foram estabelecidos de forma unilateral, é uma clara violação à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas - afirma o documento.

Segundo os ashaninka, a concessão de lotes para a prospecção e exploração de petróleo e gás em florestas banhadas por bacias hidrográficas binacionais, em regiões de fronteira internacional, caso dos rios Juruá e Amônia, poderá causar graves conseqüências ambientais às comunidades que vivem em terras indígenas e unidades de conservação do lado brasileiro e comprometer fontes de água utilizadas para consumo humano em sedes municipais e comunidades na floresta.





















No caso do Alto Juruá peruano, a concessão de lotes de petróleo e gás pelo governo peruano criou sobreposição com a quase totalidade da Reserva Territorial Murunahua, área de 481.560 hectares, criada em 1997 para a proteção de povos indígenas isolados murunahua, chitonahua e outros.

- A pretensão das empresas canadenses True Energy Trust e North American Vanadium Inc., de dar início à prospecção e exploração de petróleo e gás em sua concessão no Lote 126, que tem extensão de pouco mais de um milhão de hectares, está situado na fronteira internacional, coincide com parte do limite oeste de nossa terra indígena no rio Amônia e do Parque Nacional da Serra do Divisor, e encontra-se sobreposto a territórios não titulados de comunidades Ashaninka no alto rio Tamaya.

Os ashaninka acusam a política de desenvolvimento do governo peruano no Alto Juruá de estar associada a empresas transnacionais, optando por promover a prospecção e a extração de petróleo e gás em região fronteiriça, onde a atividade madeireira continua a causar imensos prejuízos ambientais.

A consequência tem sido a invasão de reservas territoriais e unidades de conservação, a abertura de extensa rede de estradas e caminhos, a destruição de recursos florestais e da fauna, a inutilização de áreas utilizáveis para a agricultura e a contaminação de fontes de água, além de correrias (matança organizada de índios), contatos e migrações forçados de índios isolados, violações dos direitos humanos e trabalhistas e a desestruturação das formas de organização comunitária, política e cultural em várias comunidades.

Danos irremediáveis

O evento da UCIFP foi interpretado pelo ashaninka como evento bipartite e não triparte como era pretendido. Eles dizem que os interesses e as ações de governo peruano e das empresas concessionárias aparecem de maneira articulada e indissociada: foi o governo que, por meio de suas políticas, concedeu os lotes às empresas e agora atua, sob a fachada da “capacitação”, como facilitador de processos de negociação entre empresas e organizações e comunidades indígenas, visando que estas dêem seu consentimento ao inicio das atividades de prospecção e exploração de petróleo e gás sobre seus territórios.

- Ao contrário do que procura fazer crer a convocatória do “taller”, encaminhada pela UCIFP, não acreditamos que a atividade de extração de petróleo e gás abra qualquer alternativa de desenvolvimento sustentável para as comunidades e territórios indígenas no Alto Juruá.

Segundo o documento das lideranças ashaninka, “ainda que venham a ser executadas ações para a prevenção, a mitigação e a compensação dos impactos sociais e ambientais inicialmente previstos, as conseqüências da prospecção e da exploração de petróleo e gás serão definitivas e irremediáveis sobre os recursos naturais (água, florestas, caça e pesca) das quais as comunidades dependem para sua sobrevivência imediata e futura, sobre as condições de saúde das comunidades e sobre suas formas próprias de organização social, política e cultural”.

Os ashaninka lamentam que a UCIFP, acusada de estar associada com os interesses da empresa madeireira Forestal Venao SRL, decida discutir agora a possibilidade da operação de empresas petrolíferas nos territórios das comunidades que representa, especialmente em reserva territorial destinada a índios isolados, que nenhuma possibilidade têm de ser consultados.

* Altino Machado, Blog da Amazônia, Agosto 21, 2008

Saiba mais:
- ASHANINKA DENUNCIA PETROBRAS, no Blog do Altino
- OS ASHANINKA TORNAM PÚBLICA SUA POSIÇÃO QUANTO À PROSPECÇÃO, no Blog da Apiwtxa


14/08/2008

Os Ashaninka tornam pública sua posição quanto à prospecção


Aldeia Apiwtxa, Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, 12 de agosto de 2008



Ao Sr. Edison Panayfo
Presidente
Unión de Comunidades Indígenas Fronterizas del Peru – UCIFP

Em referência ao Convite a Associação Ashaninka do Rio Amônia (APIWTXA) para participar no “I Taller de Capacitación y Fortalecimiento en actividades de Hidrocarburos para Líderes Indígenas”, na Comunidad Nativa Nueva Shauaya, nos dias 13 a 15 de agosto de 2008, para discutir temas relacionados a prospecção e exploração de petróleo e gás, preparar as comunidades indígenas para os “os novos desafios do desenvolvimento sustentável” e “lograr relações harmoniosas entre o Estado, as empresas petrolíferas e as comunidades”.

Nos últimos 15 anos, nós Ashaninka que vivemos na Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, por meio da Associação Ashaninka do Rio Amônia (APIWTXA), da Cooperativa Ayonpare e de nossa organização comunitária, temos planejado e posto em prática um amplo conjunto de ações voltado ao aproveitamento sustentado dos recursos naturais de nosso território e a melhoria da vida de nossas famílias. Com iniciativas próprias e mobilizando órgãos do Estado brasileiro, temos procurado vigiar e defender os limites de nossa terra indígena e alertar para as graves conseqüências sociais e ambientais da atividade madeireira em territórios indígenas e unidades de conservação em ambos os lados da fronteira Brasil-Peru, especialmente nos altos rios Juruá, Amônia e Tamaya. Nos últimos quatro anos, temos promovido encontros binacionais entre povos indígenas nesta fronteira, buscando fortalecer processos de diálogo e de intercâmbio de experiências e reforçar estratégias para o reconhecimento e a proteção dos territórios indígenas e para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade de nossas florestas.

Tendo em vista a comunicação recebida da Unión das Comunidades Indígenas Fronterizas del Peru (UCIFP), com data de 28 de julho, convidando a Apiwtxa a participar do “I Taller de Capacitación y Fortalecimiento en actividades de Hidrocarburos para Líderes Indígenas”, a ser realizada na Comunidad Nativa Nueva Shauaya, de 13 a 15 de agosto, onde está prevista a presença de 100 representantes de comunidades e organizações indígenas dos rios Juruá, Breu, Amônia, Huancapishtea, Piquiyacu e Genepanshea, órgãos de governo e da empresa Petrobrás, para discutir temas relacionados a “hidrocarburos”, vimos, por meio da presente, esclarecer, inicialmente, nossas posições mais gerais.

Neste sentido, firmemente repudiamos:

1) as concessões feitas nos últimos anos pelo Estado peruano a empresas de vários países de lotes destinados a prospecção e exploração de petróleo e gás no alto rio Juruá e no rio Tamaya, sem qualquer consulta prévia, informada e de boa fé aos povos e comunidades indígenas sobre cujos territórios os lotes foram estabelecidos de forma unilateral, numa clara violação à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

2) a concessão de lotes para a prospecção e exploração de petróleo e gás em florestas banhadas por bacias hidrográficas binacionais, em regiões de fronteira internacional, caso dos rios Juruá e Amônia, o que poderá também causar graves conseqüências ambientais às comunidades que vivem em terras indígenas e unidades de conservação do lado brasileiro e comprometer fontes de água utilizadas para consumo humano em sedes municipais e comunidades na floresta;

3) que, no caso do Alto Juruá peruano, a concessão de lotes de petróleo e gás pelo governo peruano tenha criando sobreposição com a quase totalidade da Reserva Territorial Murunahua, área de 481.560 hectares, criada em 1997 para a proteção de povos indígenas isolados (Murunahua, Chitonahua e outros);

4) a atuação da empresa brasileira Petrobras Energia Peru S.A. que, aproveitando possibilidade aberta pela legislação peruana, tornou-se, em dezembro de 2005, concessionária do Lote 110, por um período de 40 anos. Localizado no alto rio Juruá peruano, em águas binacionais, com extensão de 1,4 milhão de hectares, esse Lote é sobreposto à Reserva Territorial Murunahua e a territórios de comunidades Ashaninka, Jaminawa e Amahuaca, já titulados ou reivindicados. A leste, o Lote tem limites, ainda, com o Parque Nacional Alto Purús, estando sobreposto à sua zona de amortecimento, no trecho onde está a Reserva Territorial Mashco-Piro, criada em 1997 para proteger grupos isolados Mashco-Piro. A nosso ver, a intenção da Petrobras de iniciar atividades de prospecção e exploração de petróleo e gás, no alto rio Juruá peruano, em lote sobreposto a territórios de comunidades nativas e inclusive de índios isolados, constitui uma flagrante e condenável contradição com o discurso de responsabilidade socioambiental adotado pela empresa no Brasil e com a legislação que a empresa é obrigada a respeitar em nosso país.

5) a pretensão das empresas canadenses True Energy Trust e North American Vanadium Inc., de dar início à prospecção e exploração de petróleo e gás em sua concessão no Lote 126, que tem extensão de pouco mais de um milhão de hectares, está situado na fronteira internacional, coincide com parte do limite oeste de nossa terra indígena no rio Amônia e do Parque Nacional da Serra do Divisor, e encontra-se sobreposto a territórios não titulados de comunidades Ashaninka no alto rio Tamaya.

6) a política de desenvolvimento do governo peruano no Alto Juruá, que, associado a empresas transnacionais, opta hoje por promover a prospecção e a extração de petróleo e gás em região fronteiriça, onde a atividade madeireira continua a causar imensos prejuízos ambientais (com invasão de reservas territoriais e unidades de conservação, a abertura de extensa rede de estradas e caminhos, a destruição de recursos florestais e da fauna, a inutilização de áreas utilizáveis para a agricultura e a contaminação de fontes de água), “correrias”, contatos e migrações forçados de índios isolados, violações dos direitos humanos e trabalhistas e a desestruturação das formas de organização comunitária, política e cultural em várias comunidades.

Quanto ao “I Taller de Capacitación y Fortalecimiento em actividades de Hidrovarburos para Líderes Indígenas”,” a ser realizado nos dias 13-15 de agosto, na Comunidad Nativa Nueva Shauaya, temos a expor as seguintes considerações:

1) longe de representar um evento triparte, o “taller” constitui evento bipartite, dado que os interesses e as ações de governo peruano e das empresas concessionárias aparecem de maneira articulada e indissociada: foi o governo que, por meio de suas políticas, concedeu os lotes às empresas e agora atua, sob a fachada da “capacitação”, como facilitador de processos de negociação entre empresas e organizações e comunidades indígenas, visando que estas dêem seu consentimento ao inicio das atividades de prospecção e exploração de petróleo e gás sobre seus territórios.

2) ao contrário do que procura fazer crer a convocatória do “taller”, encaminhada pela UCIFP, não acreditamos que a atividade de extração de petróleo e gás abra qualquer alternativa de desenvolvimento sustentável para as comunidades e territórios indígenas no Alto Juruá. Ainda que venham a ser executadas ações para a prevenção, a mitigação e a compensação dos impactos sociais e ambientais inicialmente previstos, as conseqüências da prospecção e da exploração de petróleo e gás serão definitivas e irremediáveis sobre os recursos naturais (água, florestas, caça e pesca) das quais as comunidades dependem para sua sobrevivência imediata e futura, sobre as condições de saúde das comunidades e sobre suas formas próprias de organização social, política e cultural.

3) lamentar que a Unión das Comunidades Indígenas Fronterizas del Peru (UCIFP), organização que nos últimos tem demonstrado clara associação com os interesses da empresa madeireira Forestal Venao SRL, decida neste novo momento discutir a possibilidade da operação de empresas petrolíferas nos territórios das comunidades que representa, e inclusive em reserva territorial destinada a índios isolados, que nenhuma possibilidade tem de ser consultados.

Alinhados com o já declarado por organizações indígenas brasileiras e peruanas no documento final do IV Encontro dos Povos Indígenas da Fronteira Acre-Ucayali, reiteramos a urgente necessidade de uma auditoria independente, com a participação da Defensoria del Pueblo, da Organização Internacional do Trabalho e da Relatoria Especial dos Povos Indígenas das Nações Unidas, para investigar as violações dos direitos humanos e trabalhistas hoje em curso na atividade madeireira no Alto Juruá peruana e, de forma cautelar, para acompanhar os entendimentos que visam respaldar o inicio da extração de petróleo e gás nessa mesma região.

Também como já destacado no documento final do IV Encontro dos Povos Indígenas da Fronteira Acre-Ucayali, reafirmamos nossa posição contrária ao início da atividade de prospecção aérea no Estado do Acre, sem que qualquer consulta tenha sido feita às organizações e comunidades indígenas e sem que qualquer informação substantiva tenha sido feita às comunidades que vivem na floresta quando do início da atividade. E repudiamos, desde já, qualquer mudança na legislação ou articulação política que vise possibilitar a prospecção e a exploração de petróleo e gás em terras indígenas e unidades de conservação, numa óbvia violação da legislação hoje vigente no país e das convenções internacionais das quais o Brasil é signatário.

Por fim, declaramos nosso firme propósito de continuar a tornar públicos, junto ao governo brasileiro e à opinião publica nacional e internacional, os processos que estão em curso na região da fronteira internacional Brasil-Peru, visando construir alianças que fortaleçam as comunidades e organizações comprometidas com o uso sustentado e a conservação da biodiversidade no Alto Juruá, garantam os direitos humanos e territoriais dos povos indígenas que aí vivem, resultem em soluções definitivas para os graves problemas ambientais e sociais hoje causados pela atividade madeireira e evitem aqueles que certamente serão causados pelo início da prospecção e da exploração de petróleo e gás.

Despedimo-nos cordialmente, chamando as comunidades e organizações indígenas do Alto Juruá peruano a fazer prevalecer seus direitos, se opondo a qualquer negociação ou acordo que, mediante fáceis promessas de “desenvolvimento sustentável” ou de benefícios econômicos e sociais, implique num consentimento ao inicio da prospecção e exploração de petróleo e gás em suas comunidades, em reservas territoriais ou no seu entorno.

Ainda que a prospecção e exploração de petróleo e gás estejam previstas em território peruano, como fruto de políticas do governo de vosso país, e que as decisões das comunidades Ashaninka, Jaminawa e Amahuaca sobre o futuro de seus territórios e suas formas de vida tenham que ser por nós respeitadas, chamamos a atenção que essa atividade, a ser promovida pela Petrobras, empresa brasileira, em águas binacionais, poderá também trazer danos irreparáveis não só à Apiwtxa mas também a outras comunidades indígenas e de seringueiros e agricultores que vivem do lado brasileiro de nossa fronteira comum.

Atenciosamente,

Moisés da Silva Piyãko, Presidente da Associação Ashaninka do Rio Amônia (APIWTXA), e
Isaac da Silva Piyãko
Benki da Silva Piyãko
Antônio Piyãko
Pishiro Asheninka
Aricemi Asheninka
Shomõtsi Asheninka
Alípio Piyãko
Winko Piyãko