28/06/2008

Índios isolados Brasil-Peru. Sertanista teme retaliação de madeireiros

por Altino Machado*

Foto: Altino Machado/Terra Magazine


O sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira (Funai), divulgou nesta quinta-feira, 26, uma nota de esclarecimento sobre a polêmica decorrente das fotos dos índios isolados. As imagens foram tiradas durante um sobrevôo na região da fronteira Brasil-Peru no final de abril e publicadas com exclusividade (leia) por Terra Magazine no dia 23 de maio.

A polêmica teve origem com a publicação da nota intitulada "Confirmado: No son peruanos los nativos fotografiados en territorio brasileño", emitida pela Oficina de Comunicaciones do Instituto Nacional de Recursos Naturales, do Peru. A nota repercutiu na imprensa peruana, em diferentes sites da internet e resultou em informações desencontradas, no Brasil e no exterior, sobre as fotografias dos índios isolados da região do rio Envira, no Estado do Acre.

Segundo Meirelles, em 2004, durante um sobrevôo, além das malocas já conhecidas, foi identificado um novo conjunto de malocas na região do igarapé Xinane, afluente da margem direita do rio Envira. Com base nas informações daquele sobrevôo, o sertanista assinala ser possível afirmar que, naquele ano, não existia, no lado brasileiro, qualquer presença de povos isolados oriundos do Peru nas proximidades do paralelo de 10ºS.

- As fotografias amplamente divulgadas na mídia nacional e internacional, onde aparecem índios isolados, são do grupo das cabeceiras do rio Humaitá e igarapés da margem esquerda do rio Envira, que a Frente monitora há vinte anos, e são tradicionalmente habitantes do território brasileiro. Outras dezenas de fotos das malocas dos índios isolados do igarapé Xinane, estes sim oriundos do Peru, foram encaminhadas à Fundação Nacional do Índio e não foram objeto de divulgação na mídia. - afirma o sertanista.

A nota de esclarecimento assinala que as malocas não existiam antes de 2004 e que as evidências de atividade madeireira nas cabeceiras do rio Envira, no lado peruano, os vestígios constantes no igarapé Xinane e a ocupação recente (malocas e roçados novos constatados fotograficamente) permitem afirmar que outros índios isolados da região - mas não os fotografados - são oriundos do território peruano.

- Os jornais peruanos que estão plantando informações mentirosas na mídia internacional devem pertencer aos importadores ou exportadores de madeira que saqueiam aquela região. Se os madeireiros mandarem me matar, peço a vocês que façam uma zoada grande - pediu nesta manhã José Carlos dos Reis Meirelles à reportagem de Terra Magazine.Leia em primeira mão a íntegra da Nota de Esclarecimento na Terra Magazine.

* Altino Machado, Terra Magazine, 26/06/2008

10/06/2008

Apiwtxa auxilia o Comitê Internacional para a Proteção dos Povos em Isolamento


Em uma missão co-organizada com as lideranças ashaninka da aldeia Apiwtxa, a antropóloga Beatriz Huertas, do Comitê Internacional para a Proteção dos Povos em Isolamento, percorrerá, a partir desta terça-feira, 10, a região do Rio Juruá, na fronteira Brasil-Peru. O obetivo da missão é elaborar um relatório sobre índios isolados na região, e apresentá-lo aos governos do Brasil e do Peru. Leia a seguir matéria de Altino Machado e entrevista exclusiva de Huertas ao Terra Magazine.

Comitê fará relatório sobre índios isolados
por Altino Machado*

Foto: Altino Machado/Terra Magazine Antropóloga Beatriz Huertas: relatório em defesa dos índios isolados

A antropóloga Beatriz Huertas, do Comitê Internacional para a Proteção dos Povos em Isolamento, percorrerá, a partir desta terça-feira, 10, a região do Rio Juruá, na fronteira Brasil-Peru, em companhia dos índios ashaninka da aldeia Apiwtxa.

- Vamos fazer um relatório sobre a questão e apresentá-lo aos governos do Brasil e do Peru e aos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos. Na medida de nossas possibilidades vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que o problema seja resolvido - disse Beatriz Huertas com exclusividade a Terra Magazine, referindo à situação dos índios isolados da região.

Segundo a antropóloga, há na Amazônia Peruana 14 povos ou segmentos de povos isolados, sendo que a maioria está concentrada na faixa de fronteira com o Brasil. Ela assinala que muitas das concessões florestais outorgadas pelo governo peruano incidem sobre áreas de comunidades indígenas.

- Sabemos que alguns empresários beneficiados por essas concessões estão aproveitando-se da formalidade da concessão para retirar madeira ilegalmente. Isto é altamente irregular e perigoso e vem sendo denunciado há muito tempo, porém parece não existir um sistema adequado do Instituto Nacional de Recursos Naturais para frear - afirma.

A antropóloga e membros Federação Nativa do Rio Madre de Dios e Afluentes (Fenamad) já sofrereram ameaças de morte durante o processo de criação de uma reserva territorial para povos indígenas isolados da região. Leia a entrevista a seguir:

Terra Magazine - Considera positiva a divulgação das fotos dos índios isolados na fronteira Brasil-Peru?
Beatriz Huertas - Sim, pois despertou a atenção das autoridades do governo peruano, que já prometeram empreender uma viagem à região do Purus para investigar o que está ocorrendo. No entanto, é necessário cuidado com certos jornalistas que ficaram muito interessados em viajar até a região para estabelecer contato com o objetivo de obter imagens dos índios isolados. Isso pode ser catastrófico e resultar na morte de todo o grupo por causa do contágio de doenças e até do enfrentamento que pode surgir.

Como explicar o interesse global repentino pelos índios isolados?
Estamos na era da globalização, todos interconectados através das comunicações, e não se explica a existência de populações vivendo com aquele nível de autonomia, como a dos povos isolados.

Existem pessoas que defendem que a sociedade estabeleça contato com esses povos isolados. A sua organização é contra. Por quê?
Temos propugnado pelo direito à autodeterminação e isto significa o direito desses povos decidirem livre e voluntariamente sobre as formas de vida que querem ter, sem forçar contatos ou ações que atentem contra esse direito, contra essa vontade. Eles estão isolados e é necessário respeitar o isolamento. Do mesmo modo, se eles buscam contato, teremos que respeitar a decisão deles, mas não podemos de nenhuma maneira forçar contatos.

Quantas etnias existem ao longo da fronteira do Brasil com o Peru?
Na Amazônia Peruana, há pelo menos 14 povos ou segmentos de povos em isolamento. Pode existir mais, mas não sabemos. O que existe até agora é a constatação de 14 povos. Na faixa de fronteira Brasil-Peru se concentra a maioria desses povos isolados.

Qual o impacto das concessões para exploração florestal no Peru sobre os povos isolados?
Muitas das concessões florestais foram outorgadas sem que tenham visto que havia superposição com comunidades indígenas. Na verdade, não foi um processo bem conduzido. Sabemos que alguns empresários beneficiados por essas concessões estão aproveitando-se da formalidade da concessão para retirar madeira ilegalmente. Isto é altamente irregular e perigoso e vem sendo denunciado há muito tempo, porém parece não existir um sistema adequado do Instituto Nacional de Recursos Naturais para frear.

O governo peruano é menos preocupado com a questão que o governo brasileiro?
Sim, está pouco preocupado, mas, em Madre de Dios, a realidade é diferente por causa de uma série de ações da sociedade civil. Mas, no geral, o que se constata é que não existe uma vontade real de frear esse problema tão grave. Os problemas decorrentes da retirada ilegal de madeira na fronteira Brasil-Peru temos denunciando intensivamente desde 1998. Desde 2001 e 2002 os dois países formaram uma comissão para resolver o problema, mas nunca chegaram a acordos claros nem realizaram ações contundentes para frear a situação.

O que deveria ser feito nesse sentido?
O Instituto Nacional de Recursos Naturais do Peru tem as condições para saber onde está havendo retirada ilegal de madeira, pois outorgou as concessões florestais e fizeram uma série de exigências que os empresários tiveram que cumprir antes. Se fossem mais eficientes com o trabalho que realizam, estariam freando a situação. Mas a verdade é que não existe disposição para tanto.

É verdade que no Peru existem empresas que exploram e exportam madeira retirada de terra indígena com certificação florestal?
Sabemos que algumas dessas empresas obtiveram certificação florestal e que algumas delas retiram madeira ilegalmente de terras indígenas. Existem informações e denúncias, mas não existem ações para combatê-las.

A sua luta em defesa dos isolados já resultou em ameaças de morte?
Os membros de uma organização, a Fenamad, onde eu trabalhava, sofreram ameaças de morte em 2001 e 2002, durante o processo de gestão para criação de uma reserva territorial para povos indígenas isolados em Madre de Dios. Era uma zona cobiçada, muito cobiçada mesmo pelos madeireiros. Surgiram muitas ameaças, feitas por pessoas que queriam ter o controle da região, quando a organização solicitou, baseada nas leis peruanas, a área para os povos isolados.

O que vai fazer ao percorrer o Juruá brasileiro e peruano?
Desde o final de 1999, tivemos oportunidade de estabelecer comunicação com a Funai e organizações indígenas brasileiras e tomamos conhecimento da situação na fronteira. Desde então temos tratado de difundi-las pelos meios de comunicação, traduzindo para o castelhano as notas que escritas no Brasil a respeito dessa problemática. A Fenamad, através de cartas, também solicitou ações ao governo peruano contra os problemas na fronteira. Agora, que se formou o Comitê Indígena Internacional para Povos Isolados, surge essa oportunidade de percorrer a fronteira e conversas com os afetados. Essa missão está sendo co-organizada com as lideranças ashaninka da aldeia Apiwtxa. Vamos fazer um relatório sobre a questão e apresentá-lo aos governos do Brasil e do Peru e aos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos. Na medida de nossas possibilidades, vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que o problema seja resolvido.

Nesse sentido, a divulgação das imagens dos índios isolados atirando flechas no avião contribuiu mesmo para pressionar os dois governos?
As imagens estiveram em quase todos os diários do mundo. Isso não ocorre constantemente porque os assuntos indígenas não despertam muita atenção dos meios de comunicação, que preferem notícias triviais ou superficiais.

* Altino Machado, Terra Magazine, 10/06/2008

Assista a entrevista com Beatriz Huertas, AQUI

09/06/2008

IV Encontro dos Povos Indígenas da Fronteira Acre-Ucayali

Grupo de Trabalho para a Proteção Transfronteiriça (GTT) da Serra do Divisor e Alto Juruá (Brasil e Peru)
Documento Final


De 26 a 29 de maio de 2008, na Aldeia Apiwtxa, na Terra Indígena Kampa do Rio Amônea, se reuniram lideranças dos povos Ashaninka, Kaxinawá e Poyanawa que vivem em territórios situados na região fronteiriça do Estado do Acre (Brasil) e do Departamento de Ucayali (Peru), bem como representantes de organizações e associações indígenas, de outras entidades de apoio da sociedade civil e de órgãos governamentais de ambos os países.

Organizada pela Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa) e a Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), a reunião se inseriu no âmbito do Grupo de Trabalho para Proteção Transfronteiriça (GTT) da Serra do Divisor e Alto Juruá - Brasil/Peru, iniciativa que, no vale do Juruá acreano, tem, desde abril de 2005, reunindo organizações indígenas e do movimento social, órgãos dos governos federal, estadual e de cinco municípios.

Uma série de articulações, entendimentos e reuniões ocorridos nos últimos anos serve como antecedentes à realização deste encontro;

1. As iniciativas da Apiwtxa, desde 1999, para alertar vários órgãos dos governos federal e estadual sobre a extração de madeira feita por empresas peruanas ao longo da faixa de fronteira (e inclusive em território brasileiro) e sobre as graves conseqüências ambientais, sociais e culturais dessa atividade sobre populações e territórios indígenas (especialmente na Terra Indígena Kampa do Rio Amônea) e o Parque Nacional da Serra do Divisor, exigindo que aqueles órgãos cumpram suas atribuições institucionais e a legislação visando a vigilância dos limites dessa terra indígena e a garantia da soberania nacional no limite fronteiriço Brasil-Peru;

2. As ações iniciadas a partir de 2004 por um consórcio de instituições brasileiras e peruanas no âmbito do Projeto "Conservação Transfronteiriça da Região da Serra Divisor (Brasil-Peru)";

3. Os vários encontros promovidos pelo GTT para Proteção Transfronteiriça da Serra do Divisor e Alto Juruá - Brasil/Peru, desde abril de 2005, tanto no Estado do Acre como na Região Ucayali, nos quais se procurou avaliar os programas oficiais de desenvolvimento e de “integração”, em curso e planejados, nessa região, bem como a dinâmica das concessões florestais realizadas pelo governo peruano e suas desastrosas conseqüências socioambientais em territórios indígenas e unidades de conservação em ambos os lados da fronteira internacional. A partir dessas discussões, estabeleceram-se compromissos e agendas comuns entre as organizações indígenas e outras organizações da sociedade civil, na intenção de comprometer os poderes públicos dos dois países com uma efetiva participação dos povos na definição, execução e avaliação das políticas de desenvolvimento e de integração.

4. Entendimentos e acordos firmados pelos Governos do Estado do Acre e do Departamento do Ucayali, desde 2004, com vistas a promover a “integração” entre essas regiões, que resultaram na “Reunião Técnica pela Conservação da Biodiversidade Fronteiriça Ucayali-Acre”, na cidade de Pucallpa, em julho de 2005, cujas conclusões previam a criação do “Fórum de Integração Ucayali-Acre” e, atendendo à demanda das organizações indígenas e da sociedade civil, contemplaram sua ativa participação nas futuras discussões e acordos.

5. A criação, durante reunião na cidade de Cruzeiro do Sul, em julho de 2006, do “Fórum Binacional de Integração e Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Região Ucayali/Peru e Estado do Acre/Brasil”, sua instalação com a constituição de sete comissões técnicas (Conservação da biodiversidade; Desenvolvimento econômico sustentável; Desenvolvimento sociocultural; Políticas públicas e cooperação institucional; Infra-Estrutura; Povos indígenas; e Pesquisa, ciência e tecnologia) e a nomeação de seus integrantes (representantes dos governos federal e estadual/regional, organizações indígenas, entidades indigenistas de apoio e conservacionistas, centros universitários e classe empresarial).

6. Uma série de contatos iniciados em março de 2005 pela Apiwtxa com líderes Ashaninka das comunidades nativas dos rios Amônia, Juruá, Vacapistea e Tamaya, em território peruano, que resultaram no desejo de reforçar intercâmbios, realizar reuniões periódicas e conhecer de perto as experiências de gestão territorial e ambiental em curso na aldeia Apiwtxa.

7. As reuniões ocorridas entre organizações e associações indígenas, como parte do GT Transfronteiriço, em setembro de 2005, na aldeia Apiwtxa e, em fevereiro de 2006, na Terra Indígena Poyanawa.

Alinhada com as preocupações do GTT, a presente reunião de Apiwtxa teve por objetivo dar continuidade a um processo de diálogo e de intercâmbio de experiências entre povos indígenas que vivem na fronteira Acre-Ucayali, visando reforçar estratégias para o reconhecimento e a proteção dos territórios indígenas, para o uso sustentável e a conservação da biodiversidade existente nessas florestas.

Um conjunto de processos em curso na fronteira internacional Brasil-Peru nos últimos anos também foi fundamental na decisão de realizar este encontro e constituiu objeto de troca de informações e de discussão, com vistas à identificação de problemas e soluções comuns. Dentre esses processos devem ser destacados:

1. A concessão pelo governo peruano de consideráveis extensões de floresta para a prospecção e exploração de petróleo e gás, boa parte delas situadas ao longo da fronteira internacional e em bacias hidrográficas comuns, criando sobreposições com territórios indígenas (já titulados ou não), reservas territoriais destinadas a povos indígenas em isolamento voluntário (já criadas e reivindicadas) e propostas de áreas naturais protegidas (unidades de conservação), sem qualquer processo de consulta prévia e informada às organizações e comunidades indígenas, conforme previsto na Convenção 169 da OIT.

2. A agressiva política de expansão das atividades promovidas por Forestal Venao SRL, outras empresas madeireiras, concessionários, “habilitados” ou ilegais, sobre territórios, titulados ou não, de comunidades Ashaninka e Jaminawa que vivem nos altos rios Juruá e Tamaya, sobre Reservas Territoriais e em áreas naturais protegidas (como o Parque Nacional do Alto Purus).

3. As repercussões que essas atividades madeireiras do lado peruano continuam a causar do lado brasileiro da fronteira, na forma de impactos negativos sobre diferentes recursos naturais (contaminação das águas dos rios, invasões e caçadas e pescarias), o estabelecimento de novas comunidades no limite fronteiriço (especificamente no rio Breu), constrangimentos e ameaças a comunidades indígenas há anos estabelecidas do lado Brasil, a migração forçada de populações de indígenas em isolamento para as cabeceiras do rio Envira e ataques a tiros, feitos por desconhecidos, a integrantes da Frente de Proteção Etnoambiental que a Fundação Nacional do Índio ali mantém.

4. A certificação, em abril de 2007, sob os padrões da Forest Stewardship Council (FSC), das atividades madeireiras da Forestal Venao SRL, empresa com longo histórico de atividades predatórias e ilegais na região de fronteira no Acre-Ucayali, promovida pela Smartwood, com recursos do Projeto Rainforest Alliance, financiado pela USAID, nas Comunidades Nativas Sawawo Hito 40 e Nueva Shawaya. Esta certificação, cabe notar, estabeleceu um total de 22 Solicitações de Ações Corretivas (CARs) para que a certificação fosse mantida em futuras auditorias.

5. Os questionáveis resultados da investigação promovida por Smartwood a reboque de denúncia realizada pelo IBAMA por invasão, extração ilegal de madeira e dos impactos ambientais provocados pela empresa Forestal Venao SRL na Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, do lado brasileiro.

6. Os principais resultados da auditoria promovida pela Smartwood em setembro de 2007, dentre eles: a) a não-certificação das atividades realizadas pela Forestal Venao nas Comunidades Nativas Santa Rosa, Dorado e Nueva Victoria, no alto rio Juruá, como pretendia a empresa, devido à constatação de que suas práticas de manejo florestal e as relações estabelecidas com as comunidades não atendiam aos padrões exigidos pela FSC; e b) o acréscimo de 7 novas CARs e 4 observações às 18 CARs ainda pendentes da auditoria de abril de 2007, para a manutenção da certificação já outorgada às atividades florestais nas comunidades Sawawo Hito 40 e Nueva Shawaya.

7. A reunião realizada na Comunidad Sawawo Hito 40, em fevereiro de 2008, reunindo representantes de organizações indígenas do Brasil e do Peru, da empresa Forestal Venao, de órgãos púbicos de ambos os países, do Programa Rainforest Alliance e da FSC e da USAID, cujos resultados destacaram acordos e compromissos comuns de fortalecimento de um diálogo para as boas relações das comunidades fronteiriças.

8. A constatação de que algumas das CARs elencadas quando da certificação e da auditoria, em abril e setembro de 2007, que venciam em final de maio de 2008 e incluíam processos de consulta e informação e a formalização de acordos escritos entre comunidades vizinhas de ambos os lados da fronteira (principalmente entre as comunidades Sawawo Hito 40 e Nueva Shawaya e com a Apiwtxa) não foram ainda cumpridos.

9. Com o começo do “verão” amazônico, a retomada das atividades madeireiras, relativas à safra de 2008, nas comunidades nativas Sawawo Hito 40, Nueva Shawaya e Santa Rosa, situadas na fronteira internacional Brasil-Peru (coincidindo com a Terra Indígena Kampa do Rio Amônea e com a Reserva Extrativista do Alto Juruá), e nas Comunidades Nativas Nueva Victoria e Dorado, todas por meio de contratos com a empresa Forestal Venao SRL.

10. O início em maio de 2008 de uma nova etapa de auditoria nas atividades de manejo forestal realizadas por Forestal Venao nas comunidades Sawawo Hito 40 e Nueva Shawaya, novamente a cargo de Smartwood.

11. A preocupante situação de violação dos direitos humanos e territoriais dos povos “isolados” (em isolamento voluntário) que vivem do lado peruano, ameaçados pelas atividades ilegais realizadas por empresas madeireiras nas Reservas Territoriais Murunahua e Mashco-Piro, resultando em correrias, contatos forçados, doenças, trabalho compulsório e, inclusive, em migrações recentes rumo ao território brasileiro. No Estado do Acre, apesar da proteção garantida pela legislação e oferecida por ações da Coordenação Geral de Índios Isolados (CGII), da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), é eminente a possibilidade de conflitos armados com povos indígenas e famílias de seringueiros e agricultores que vivem em terras indígenas e áreas de antigos seringais situados ao longo e nas cercanias da fronteira internacional.

A programação do encontro teve início no dia 26 de maio, com as boas-vindas das lideranças da Apiwtxa, a apresentação dos participantes, seguidas de um esclarecimento dos objetivos e expectativas do encontro. Na parte da tarde, fizeram suas apresentações os coordenadores da Asociación de Comunidades Nativas para el Desarrollo Integral de Yurua (ACONADYISH) e da Asociación de Comunidades Nativas Ashaninka Asheninka de Masisea y Callería (ACONOMAC). No dia 27, as informações ficaram por conta dos chefes e comuneros das comunidades Ashaninka do alto rio Juruá (Dulce Glória, Nueva Bella e Nuevo Éden) e do alto rio Tamaya (Saweto, San Miguel de Chambira e Nueva Amazônia de Tomajao).

Os representantes da ACONADIYSH e da ACONAMAC destacaram o isolamento e a falta de apoio governamental que têm enfrentado em seus trabalhos pela titulação das terras das comunidades e no enfrentamento aos interesses das empresas madeireiras e petrolíferas. Destacaram ainda a oposição, as denúncias, e inclusive os processos judiciais, movidos por organizações e lideranças, vindas de fora, associadas às empresas madeireiras, com intenção de enfraquecer as organizações tradicionais de representação (ACONADIYSH e ACONAMAC), aliciar lideranças comunais e dividir as comunidades.

Quanto às atividades de hidrocarburos, ACONADIYSH, ACONAMAC e as comunidades que representam externaram sua preocupação e seus posicionamentos contrários à política adotada pelo governo peruano de outorgar extensas áreas de floresta a empresas, nacionais e transacionais, para a para a prospecção e exploração de petróleo e gás, frequentemente sobrepostos a territórios indígenas, em reservas territoriais destinadas a índios isolados e em áreas naturais protegidas. Em ambas essas regiões, representantes de governo e das empresas petrolíferas têm, sem qualquer consulta prévia às organizações, ingressado às comunidades, visando informar sobre o início de atividades de prospecção e exploração de petróleo.

As organizações e comunidades dos altos rios Yuruá e Tamaya ressaltaram ainda a importância desta reunião para, por um lado, fortalecer alianças para enfrentar e aos impactos sociais, ambientais e culturais da extração madeireira, promovida por diversas empresas, concessionários e por “ilegais”. Denunciaram ainda a sistemática violação dos direitos humanos promovidas por essas empresas em suas comunidades, a destruição de recursos naturais cruciais à sobrevivência, crimes cometidos na mobilização e enganche de mão de obra, o desrespeito dos direitos trabalhistas e as ameaças feitas aos representantes de organizações e chefes comunais. No caso do alto Juruá, essas denúncias estiveram centradas sobre a Forestal Venao SRL, a Forestal Cabrera e Alpirrosa. No alto Tamaya, além da Forestal Venao SRL, foram citados empresas concessionárias, particulares por elas “habilitados” e madeireiros ilegais, dentre eles, Forestal Cabrera, Ronaldo Santillán Lomas, Ramiro Edwin Barros Galván, Ecofusac, Ecoforta, Forestal Villacorta, Furoway, Gustavo Franchini, Vicente Viscarra, César Pezo e outros.

Por fim, agradeceram e louvaram a oportunidade de trocar experiências e “buscar idéias” para implementar atividades produtivas e fortalecer a organização comunitárias, de maneira a abrir alternativas à atividade madeireira realizada pelas empresas e por ilegais.

No final do dia 27 e ao longo de todo o dia 28, as apresentações foram realizadas por lideranças, professores e agentes agroflorestais Ashaninka, Kaxinawá e Poyanawa, de oito terras indígenas, representantes das seguintes organizações: AMAAIAC, OPIAC, ASKARJ, ACIH, AAPBI, ASKAPA e AKARIB. Dois temas principais foram abordados nas exposições: 1) gestão territorial e ambiental nas terras indígenas, com a organização e os projetos comunitários; e 2) as implicações em seus territórios e formas de vida de diversos processos em curso do lado peruano da fronteira internacional. Sobre este último tema, ressaltaram os impactos que a atividade madeireira continua a causar do lado brasileiro, por meio de invasões, a destruição e contaminação de importantes recursos naturais, a formação de comunidades no rio Breu com a intenção de estabelecer relações com a empresa Forestal Venao SRL para a retirada de madeira nesse rio e a chegada ao território acreano de povos indígenas isolados, em fuga dos madeireiros, que têm se assentado em terras já habitadas por populações Kaxinawá, Ashaninka e Madijá.

Com relação ao primeiro tema, foram enfatizadas nas exposições as iniciativas de gestão e de educação que há uma década são realizadas pelos agentes agroflorestais indígenas, comunidades e organizações, com o apoio da AMAAIAC e da CPI-Acre, visando a implantação de sistemas agroflorestais, o manejo e criação de animais domésticos e silvestres, monitoramento ambiental, fortalecimento da economia das famílias e a abertura de produtos e canais para a comercialização, bem como para a vigilância dos limites das terras indígenas. A tarde do dia 28 esteve reservada à apresentação pelas lideranças Ashaninka, que fizeram um histórico da criação da Apiwtxa e das mobilizações para a regularização e desintrusão da terra indígena, a criação de sua associação e de sua cooperativa, a implementação de modelos inovadores de gestão ambiental e vigilância territorial e as articulações feitas junto a diferentes órgãos governamentais para garantir os limites da terra indígena e do seu entorno. Os depoimentos do cacique Antonio Pianko, das demais lideranças de Apiwtxa e das várias organizações do lado brasileiro, foi ressaltado pelos representantes das organizações Ashaninka do Peru, serviram como importante ponto de início para novas discussões a respeito de alternativas à exploração madeireira que hoje invade seus territórios e causa graves impactos ambientais, sociais e culturais em suas comunidades.

Na noite do terceiro dia e no quarto dia do encontro, as lideranças indígenas concentraram suas atenções na identificação de agendas e compromissos comuns, bem como na construção de uma agenda de recomendações direcionada aos governos de ambos os países. São estes os compromissos e as recomendações que estão expostas à continuação:

I - RECOMENDAÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES e COMUNIDADES INDÍGENAS DO LADO PERUANO

TERRITÓRIOS

Alto rio Tamaya

* Reconhecimento legal de um único território para o povo Ashaninka do rio Tamaya, incluindo as comunidades Cametsa Quipatsi, San Miguel de Chambira, Nueva Amazonia de Tomajao, Nueva Califórnia e Saweto;

* Ampliação dos territórios das Comunidades Nativas Sol del Oriente e San Mateo, também com o objetivo de proteger a Reserva Territorial Isconahua;

* Cancelamento do processo de ampliação demandado pela CCNN Sawawo Hito 40, claramente com intenção de ampliar atividades de exploração madeireira junto com a empresa Forestal Venao sobre áreas já reivindicadas pelas comunidades Ashaninka do Alto Tamaya;

* Remoção da povoação não-indígena dos povoados (caserios) assentados dentro do território demandado pelo povo ashaninka no alto rio Tamaya, devido à destruição dos recursos naturais que tem promovida e aos obstáculos colocados à nossa organização comunitária.

Alto rio Juruá

* Ampliação das Comunidades Nativas San Pablo e Dulce Glória;

* Titulação da Comunidade Nueva Bella e reconhecimento de Nueva Éden como comunidade;

* Criação da Reserva Comunal Yurua, conforme proposta por ACONADIYSH, ORAU e AIDESEP;

* Cancelamento dos processos de titulação das comunidades Oori, Coshireni e Beu, artificialmente estabelecidas em áreas sobrepostas à proposta de criação da Reserva Comunal Yurua, por iniciativa de chefes procedentes da Selva Central, claramente associados aos interesses madeireiros da empresa Forestal Venao SRL;

RECURSOS NATURAIS

* Reivindicamos a imediata anulação das concessões florestais, petroleiras e de exploração mineral sobrepostas a territórios indígenas, Reservas Territoriales e Áreas Naturais Protegidas, situadas no Alto Yurua e no Alto Tamaya, considerando que não houve consulta prévia às organizações e comunidades indígenas, conforme estabelece a Convenção 169 da OIT, e os impactos sociais e ambientais, atuais e potenciais, sobre nossos territórios.

* Denunciamos as empresas madeireiras pela sistemática violação dos direitos humanos, pelos graves impactos que suas atividades têm causado em nossos territórios e formas de vida, pelas práticas usadas na arregimentação, endividamento e imobilização de mão de obra e pelo total desrespeito dos direitos trabalhistas, bem como pelas ações promovidas por essas mesmas empresas ao enfraquecimento das organizações comunais, ao aliciamento de lideranças locais, à divisão entre lideranças e comuneiros e à fragilização das organizações que tradicionalmente representam nas regiões do Alto rio Juruá e Tamaya (ACONADIYSH e ACONAMAC).

* Denunciar os procedimentos das empresas petroleiras que, sem conhecimento ou consentimento de nossas organizações, têm se apresentado em nossas comunidades, com falsas promessas de desenvolvimento e benefícios visando a aprovação aos seus empreendimentos;

* Repudiar a concessão do Lote 110 à empresa brasileira Petrobras, em dezembro de 2005, por um período de 40 anos, que incide em territórios das comunidades nativas Ashaninka (dentre elas Dulce Glória, Nueva Bella e Nuevo Éden) no Alto rio Juruá, na Reserva Territorial Murunahua (destinada à proteção dos povos indígenas Murunahua, Chitonaua e outros) e faz limites, ainda, com a Reserva Territorial Mashco-Piro e com o Parque Nacional Alto Purus.

* Repudiar, igualmente, a concessão no alto rio Tamaya, dos lotes de petróleo e gás outorgados às empresas Pan Andean (Lote 114) e True Energy (Lote 126), sobrepostos às terras reivindicadas pelas comunidades Cametsa Quipatsi, Nueva Amazonia de Tomajao, Nueva California e Alto Tamaya, e à Comunidad Nativa San Miguel de Chambira.

* Condenar a contaminação das águas, animais e peixes, com mercúrio, no rio Masaray, e os efeitos danosos sobre as comunidades que ali moram, provocadas pela crescente atividade de extração artesanal de ouro.

POVOS INDÍGENAS EM ISOLAMENTO VOLUNTÁRIO

* Exigir do governo peruano políticas efetivas para a efetiva proteção dos direitos humanos e territoriais dos povos indígenas “isolados” (“em isolamento voluntário e contacto inicial”) que habitam nas Reservas Territoriais Murunahua e Mashco-Piro e no Parque Nacional Alto Purus e para a definitiva interrupção das atividades ali promovidas por madeireiros ilegais. Da mesma forma, exigimos urgentes medidas para uma efetiva proteção da Reserva Territorial Isconahua e a definitiva anulação das concessões petrolíferas e de mineração sobrepostas à Reserva.

ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS E ORGANIZAÇÃO COMUNAL

* Solicitar apoio de nossa organização nacional (AIDESEP) e regional (ORAU) para garantir o fortalecimento institucional das nossas organizações por meio de programas de formação de lideranças, elaboração e gestão de projetos, a adequada estruturação das escritórios e condições que permitam que as lideranças façam deslocamentos e participem de reuniões nas comunidades e de encontros em Pucallpa e em Lima.

* Demandar a criação de fundos de apoio e de financiamento para projetos voltados à subsistência e à comercialização (dentre outras atividades, produção agrícola, artesanato, reflorestamento, criações de pequenos animais domésticos, manejo de animais silvestres), e para o fortalecimento cultural de nossas comunidades.

* Reivindicar a participação de ACONADISH e ACONAMAC em futuros encontros e reuniões entre povos indígenas da fronteira e no “Fórum Binacional de Integração e Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Região Ucayali/Peru e Estado do Acre/Brasil”;

* Promover intercâmbios e fortalecer alianças entre povos e organizações indígenas que trabalham em ambos os lados da fronteira Acre-Ucayali.

COMPROMISSOS DO GOVERNO PERUANO

1. Garantir mecanismos eficazes de consulta e participação informada aos povos e oraganizações indígenas a respeito de legislação, medidas administrativas e projetos de desenvolvimento e integração que possam afeta-los, como estabelece a Convenção 169 da OIT;

2. Exigir uma maior presença do Estado peruano nas regiões de fronteira, por meio de ações voltadas para a titulação e proteção dos territórios indígenas e para a garantia dos serviços básicos de educação escolar, saúde, documentação, aposentadoria (jubilación), comunicação, transporte e energia.

II – REIVINDICAÇÕES E COMPROMISSOS DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DO LADO BRASILEIRO

1. Recomendar ao governo federal que, por meio do Exército, Polícia Federal, FUNAI e IBAMA, junto com os moradores locais, realizem a vigilância dos limites das terras indígenas e unidades e conservação situadas na faixa de fronteira, frequentemente invadidas por madeireiros ilegais e traficantes de drogas, a exemplo das TIs Kampa do Rio Amônea, Nukini, Poyanawa e Mamoadate, bem como do Parque Nacional da Serra do Divisor e da Reserva Extrativista do Alto Juruá.

2. Recomendar que articulações e acordos sejam realizadas entre os governos brasileiro e peruano para realizar ações comuns de vigilância e fiscalização na faixa de fronteira, de forma a impedir a exploração ilegal dos recursos naturais e de outras atividades ilícitas nessa região.

3. Exigir a imediata paralisação de qualquer tipo da exploração e transporte de madeira ao longo da fronteira internacional, enquanto não forem realizadas avaliações dos impactos socioeconômicos e ambientais, atuais e potenciais, dessa atividade na Terra Indígena Kampa do rio Amônia, na Reserva Extrativista do Alto Juruá e no Parque Nacional da Serra do Divisor, e não forem devidamente formulados, aprovados e implementados os respectivos Planos de Prevenção, Mitigação e Compensação dos prejuízos já causados às comunidades e à biodiversidade no lado brasileiro da fronteira internacional.

4. Recomendar que o governo brasileiro e governo do Estado do Acre, por meio de programas de atendimento aos povos indígenas, atuem de forma mais efetiva nas terras indígenas em região de fronteira.

5. Prestar apoio à proposta de criação da Reserva Comunal Yurua apresentada pela ACONADIYSH, ORAU e AIDESEP, bem como para a criação de um corredor contínuo de áreas protegidas (terras indígenas, reservas territoriais e unidades de conservação) ao longo de toda a faixa de fronteira Brasil-Peru.

6. Demandamos que proteção seja garantida aos limites das Reservas Territoriais Murunahua e Mashco-Piro, bem como do Parque Nacional do Alto Purus, que constituem territórios de habitação permanente de índios isolados e atualmente sofrem invasões de madeireiros ilegais, que têm ocasionando a migração de parte destes povos para terras indígenas localizadas em território brasileiro, como comprovado em sobrevôo realizado em abril de 2008 pelo Governo do Estado do Acre e a Frente de Proteção Etnoambiental da Funai nas cabeceiras dos rios Humaitá, Envira, Riozinho e Xinane, nas imediações do Paralelo de 10º S, ao longo da linha da fronteira Brasil-Peru.

7. Recomendar que o Governo do Estado do Acre firme convênio com a Coordenação Geral de Índios Isolados, da FUNAI, visando o fortalecimento das atividades da Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira, com a criação de um posto avançado de vigilância no rio Santa Rosa e a identificação de locais onde a futura instalação de postos se torne necessária.

8. Reivindicar que a Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira, e os postos a ela jurisdicionados, garantam a participação das comunidades indígenas no trabalho de vigilância e fiscalização das terras ocupadas por povos isolados, especialmente no caso daquelas terras indígenas compartilhadas com esses povos (TI Kaxinawá do Rio Humaitá e TI Kaxinawá do Rio Jordão).

9. Recomendar ao Governo do Estado do Acre que mantenham entendimentos com o governo do Departamento do Ucayali visando reativar o funcionamento, ainda em 2008, do “Fórum Binacional de Integração e Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Região Ucayali/Peru e Estado do Acre/Brasil”, cujas atividades se encontram paralisadas desde julho de 2006.

10. Alinhar-se com a posição do movimento indígena do Vale do Juruá contrária à construção de uma estrada ligando as cidades de Cruzeiro do Sul e de Pucallpa, tendo em vista que os diferentes traçados já projetados atravessam o Parque Nacional da Serra do Divisor, a Reserva Territorial Murunahua e que os impactos ambientais decorrentes dessa estrada incidirão sobre terras indígenas, unidades de conservação e projetos de assentamento situados em sua vizinhança.

11. Da mesma forma, demonstramos nossa preocupação e firme oposição quanto à atividade, já em andamento, de prospecção e à possibilidade de exploração de petróleo e gás no Vale do Juruá e no Estado do Acre, especialmente quanto à incidência dessa atividade em terras indígenas e unidades de conservação, sem que qualquer consulta prévia tenha sido realizada junta às organizações e às comunidades indígenas, conforme estabelece a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, e numa flagrante afronta à legislação vigente em território brasileiro.

III - REIVINDICAÇÕES E COMPROMISSOS COMUNS

1. Recomendar aos Governos do Estado do Acre e do Departamento do Ucayali, que, com o respaldo dos governos federais do Brasil e do Peru, ensejem os entendimentos e acordos necessários à reativação do “Fórum Binacional de Integração e Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Região Ucayali/Peru e Estado do Acre/Brasil”.

2. Sugerir que as recomendações resultantes desta reunião, constantes neste documento, sejam levadas em consideração e incorporadas como subsídio em futuras reuniões das comissões técnicas que compõem o referido Fórum;

3. Exigir que os governos peruano e brasileiro cumpram o previsto na Convenção 169 da OIT e na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas quanto à promoção de consultas, prévias, consentidas, informadas e de boa-fé, às comunidades e organizações indígenas quanto às políticas oficiais de desenvolvimento e integração que venham a afetar seus territórios e modos de vida;

4. Reivindicar que os governos do Brasil e do Peru implementem uma política fronteiriça comum voltada prioritariamente à conservação do meio ambiente e biodiversidade e à efetiva proteção aos direitos dos povos indígenas, garantindo a plena participação desses povos no delineamento e execução dessas políticas;

5. Reivindicar que prioridade seja dada pelo governo peruano à titulação das terras de comunidades indígenas e à criação de reservas territoriais e áreas naturais protegidas ao longo da linha de fronteira comum, de maneira a conformar um mosaico contínuo com o já existente do lado brasileiro, formado por terras indígenas e unidades de conservação (de uso direto e de proteção integral), com extensão de pouco mais de 7,8 milhões de hectares.

6. Apoiar a criação da Reserva Comunal Yurua, conforme demanda feita pela Aconadish, ORAU e AIDESEP (e não reconhecimento das comunidades Oori, Coshireni e Beu, cujas propostas de titulação, feitas recentemente, se sobrepõem à proposta da Reserva Comunal)

7. Reivindicar a definitiva interrupção de atividades de exploração madeireira feita por empresas e em concessões florestais situadas ao longo da fronteira internacional Peru-Brasil;

8. Exigir a imediata realização de uma auditoria internacional independente, sob a supervisão do Ministério Público Federal brasileiro, a Defensoria del Pueblo peruana e a Organização Internacional do Trabalho, das atividades de manejo florestal realizadas pela Forestal Venao SRL, e outras empresas, em comunidades nativas nos altos rios Juruá e Tamaya, focada na violação dos direitos humanos e trabalhistas e dos crimes cometidos contra o patrimônio ambiental e cultural dessas comunidades. Demandar que a referida auditoria foque, ainda, sobre os procedimentos que resultaram na certificação da Forestal Venao SRL, sob padrões FSC, outorgada por Smartwood com fundos do Programa Rainforest Alliance, financiado pela USAID.

9. Reivindicar a definitiva revogação das concessões feitas pelo governo peruano para a exploração de petróleo e gás ao longo da fronteira internacional com o Brasil.

10. Externar nossa preocupação quanto à concessão do Lote 110, feita pelo governo peruano à Petrobras para a exploração de petróleo e gás, sobreposta aos territórios de comunidades nativas situadas no alto rio Juruá e a Reserva Territorial Murunahua, sem qualquer processo prévio de consulta;

11. Demandar que acordos sejam firmados pelos governos do Brasil e Peru para garantir o livre trânsito, navegação e comércio de produtos indígenas (artesanais e agrícolas) entre os povos que vivem na região fronteiriça do Alto Juruá, Tamaya, Amônia e Breu, considerando que se tratam dos mesmos povos, ligados inclusive por laços familiares de parentesco;

12. Assumimos o compromisso de continuar a promover encontros, reuniões e oficinas voltados ao fortalecimento do diálogo, ao intercâmbio de experiências e a trabalhos de capacitação entre povos e organizações indígenas do Brasil e Peru, na região fronteiriça do Alto Juruá, Tamaya, Amônia e Breu, para o que reivindicamos apoio dos governos, organizações indígenas de representação, organizações da sociedade civil de ambos os países.

Por fim, os representes das comunidades e organizações de ambos os lados da fronteira lamentam a ausência na reunião de representantes da Unión das Comunidades Indígenas Fronterizas del Peru (UCIFP) e das Comunidades Nativas Sawawo Hito 40 e Nueva Shawaya, apesar do convite pessoalmente feito por lideranças Ashaninka de Apiwtxa em visita realizada à CCNN Sawawo Hito 40 nos dias 10 e 11 de maio últimos. Consideramos esta ausência, e falta de qualquer comunicação formal sobre as razões que a motivaram, um retrocesso no processo de diálogo iniciado e nos acordos firmados durante o “I Encontro de Povos Indígenas Fronteiriços do Brasil e Peru”, ocorrida na Comunidad Nativa Sawawo Hito 40 dos dias 24 a 28 de fevereiro de 2008.

Aldeia Apiwtxa, Terra Indígena Kampa do Rio Amônea, Marechal Thaumaturgo, Acre, Brasil, 29 de maio de 2008.

Assinam:

BRASIL
Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC); Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC); Associação Ashaninka do Rio Amônia (APIWTXA); Associação dos Seringueiros Kaxinawá do Rio Jordão (ASKARJ); Associação Kaxinawá do Rio Breu (AKARIB); Comunidade Ashaninka do Rio Breu, Associação de Cultura Indígena do Humaitá (ACIH); Associação Agro-Extrativista Poyanawa do Barão e Ipiranga (AAPBI); Associação dos Criadores e Produtores Kaxinawá da Praia do Carapanã (ASKAPA); Fundação Nacional do Índio (FUNAI); e Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre).

PERU
Asociación de Comunidades Nativas para el Desarrollo Integral de Yurua (ACONADIYSH); Asociación de Comunidades Nativas Ashaninka Asheninka de Masisea y Callería (ACONAMAC);
Bacia do Yurua: Comunidad Nativa Dulce Glória; Comunidad Nativa Nueva Bella; Comunidad Nativa Nuevo Eden.
Bacia do Tamaya: Comunidad Nativa San Miguel de Chambira; Comunidad Saweto; e Comunidad Nueva Amazonia de Tomajao.


08/06/2008

Ashaninka ensina a trabalhar a floresta

por Kaxiana*

Benki Piyãko é uma liderança do povo Ashaninka

Um povo guardião da floresta que luta pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia e contra a invasão constante de madeireiras peruanas para não destruir os ecossistemas florestais de uma das regiões de maior biodiversidade do planeta.

Assim são os índios Ashaninka, que vivem na Terra Indígena Kampa, situada ao longo do rio Amônia, no município de Marechal Thaumaturgo, no extremo oeste do Acre, fazendo fronteiras com o Peru, o Parque Nacional da Serra do Divisor, a Reserva Extrativista do Juruá e um assentamento do Acre.

De passagem recente por Brasília, o índio Benki Piyãko, uma das lideranças Ashaninka advertiu mais uma vez às autoridades brasileiras que seu povo já não suporta mais conviver com as constantes invasões de madereiros e traficantes peruanos, que destroem a rica biodiversidade da região e roubam madeiras valiosas que depois são exportadas pela cidade peruana de Pucalpa para o mercado internacional. Piyâko prometeu mais uma vez que, diante da ausência do estado brasileiro naquela fronteira totalmente desguarnecida, os índios vão resolver eles mesmos a questão da invasão. Ou seja, o conflito armado entre os índios e os invasores continua iminente.

A Kaxiana publica, abaixo, um artigo do próprio Benki Piyãko falando da luta de seu povo para preservar a integridade e a biodiversidade da floresta e do recém criado Centro de Formação Yorenka Ãtame – Saber da Floresta. Situado numa área de 86 hectares em frente à cidade de Marechal Thaumaturgo, o centro Yorenka se destina à formação, educação, intercâmbio e difusão de práticas de manejo sustentável dos recursos naturais da região do Alto Juruá. Leia, a seguir, o artigo de Benki, publicado originalmente no blog do Ashaninka, editado pela Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa).

Benki e a pajé Putani (Yawanawá) com assessores do senador Tião Viana (PT-AC)

* Kaxiana, Agência de Notícias da Amazônia, 12/10/2007

03/06/2008

Proteção Constitucional

Questão indígena tem de abandonar concepções racistas

por César Augusto Baldi*

A polêmica envolvendo a demarcação Raposa Serra do Sol em área contínua, com a liminar do STF suspendendo a desintrusão dos arrozeiros das terras já homologadas por Portaria do Ministério da Justiça, colocou a “questão indígena” como matéria de discussão. Não da melhor forma, contudo.

Primeiro, porque a informação veiculada, em quase todos os casos, tem destacado a violência praticada pelos indígenas a outros cidadãos, sem investigar as causas possíveis de tais atitudes, nem salientar eventuais violências praticadas contra as mesmas populações.

De um lado, parecem estar os “civilizados” e, de outro, os “bárbaros” ou “selvagens”. Não há qualquer preocupação em ouvir as populações envolvidas. São sempre outros a falar pelos e para os índios. O evento no Xingu, com o incidente envolvendo os caiapós, somente reforçou tal imagem.

Isso porque não se destacaram as críticas ao projeto hidrelétrico, que envolve não somente populações indígenas, mas também extrativistas e ribeirinhos, comunidades a que se convencionou denominar “tradicionais”.

Em segundo lugar, porque elas reatualizam o imaginário político-social que ainda associa índios a incapacidade civil, cooptação, manipulação e necessidade de tutela, num estado de “menoridade”, para qual somente podem ser “objetos de estudo”, nunca “sujeitos de direito”.

Há quase 20 anos, o ordenamento constitucional rompeu com tais parâmetros e reconheceu a plena capacidade das populações indígenas, desvinculou as políticas indigenistas do padrão de assimilação ou aculturação, e, dispondo sobre o direito originário às terras tradicionais, possibilitou o ingresso em juízo em defesa de seus direitos e interesses pelas próprias comunidades, organizações ou indivíduos.

Basta conferir o artigo 231 da Constituição e seus parágrafos. Isto implicaria, por sua vez, uma redefinição do papel da Funai e, ainda que prevista a participação do Ministério Público nas questões envolvendo indígenas, conforme o artigo 232, um outro perfil de profissional, mais adequado ao novo quadro constitucional, e, inclusive, novas formas de participação no processo.

A Subprocuradora-Geral da República Ela Wiecko de Castilho, por exemplo, destaca, com propriedade, a necessidade de um “tradutor cultural”, um profissional, em geral, um antropólogo, capaz de fazer compreender ao juiz e às demais partes do processo o contexto sócio-político e cultural daquele grupo. Ele seria responsável, pois, pelo diálogo intercultural, evitando que o “sistema judicial ignore a diversidade cultural e aplique o direito sempre do ponto de vista étnico dominante”.

O tema revela, ainda, o estranhamento, o desconhecimento e mesmo o preconceito que o país enfrenta em relação aos seus habitantes originários, não somente pelos nomes das etnias, mas também pelo total desconhecimento da variedade de grupos e línguas – hoje, são mais de 227 povos e 180 línguas – o que rompe com a idéia preconcebida de um país monocultural – apenas falante do português – mas também uniétnico.

Como bem destacara Luís Carlos Vilallta, uma verdadeira Babel ignorada, sendo necessário recordar, ainda, que o português somente se fixou como língua dominante às vésperas da Independência, prevalecendo, até então, línguas gerais como o nheengatu, que ainda se mantém como forma de comunicação na Amazônia.

Aliás, o município de São Gabriel da Cachoeira (AM), onde 85% da população é indígena, estabeleceu, através da Lei 145/2002, como línguas co-oficiais o tukano, o nheengatu e o baniwa, obrigando o município a produzir documentação e fornecer serviços nas referidas línguas.

Tal estranhamento, contudo, é singular, quando se verifica que a Constituição : a) protege as manifestações das culturas indígenas e afro-brasileiras (artigo 215, parágrafo 1º), integrantes do “processo civilizatório nacional”; b) determina a fixação de datas comemorativas de significação para diferentes segmentos étnicos nacionais ( artigo 215, parágrafo 2º), projeto até o presente momento incompleto; c) considera patrimônio cultural a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (artigo 216), e, rompendo com a visão “arqueológica” de cultura, dá expressa proteção ao patrimônio imaterial, tendo a Unesco, por exemplo, reconhecido os grafismos dos índios wajãpi (AP) e o samba de roda do Recôncavo Baiano como patrimônio imaterial da humanidade.

A Constituição reconhece, ainda, a diversidade étnico-racial e cultural do país (artigo 215, parágrafo 3º, inciso V), o que inclui a discussão – ainda em aberto – envolvendo ribeirinhos, extrativistas, quilombolas, quebradeiras de coco de babaçu e inúmeras outras populações, constantes do projeto “Nova cartografia social da Amazônia”, a cargo do professor Alfredo Wagner de Almeida, da Universidade Federal do Amazonas.

Quarto, porque recoloca a questão da soberania e da integridade nacionais em discussão, esquecendo que: a) os territórios indígenas são propriedades da União e, pois, terras públicas (artigo 20, XI), da mesma forma que as terras de fronteira (artigo 20, II) e, portanto, facilitado o acesso das Forças Armadas e da Polícia Federal, ao contrário do que se passa em propriedades privadas; b) existe um longo histórico de defesa das fronteiras nacionais pelas populações indígenas, sendo a etnia ashaninka (AC) e sua luta contra os madeireiros do Peru o exemplo mais evidente; c) inexiste conflito entre defesa de direitos indígenas e defesa do território nacional, havendo inúmeros outros territórios indígenas já demarcados em zona de fronteira, sem qualquer perigo concreto à soberania nacional; d) não há notícia de qualquer movimento separatista indígena em qualquer país do mundo, de que é evidência a própria Bolívia, em que são os não-indígenas que capitaneiam o movimento divisionista em Santa Cruz de la Sierra e fomentam formas distintas de racismo e discriminação em relação à maioria indígena; e) os termos “nações” ou “povos” são aqueles tradicionalmente utilizados nos documentos internacionais, tendo o Brasil, em diversas ocasiões, assinalado que tais denominações não implicam qualquer tentativa separatista, que, porém, é alimentada como “fantasma” toda vez que se discutem demarcações indígenas.

Tal atitude do governo brasileiro, aliás, foi mantida na recente aprovação, pela ONU, da “Declaração dos Povos Indígenas”, que teve o veto do Canadá, Austrália, Estados Unidos e Nova Zelândia, o que significa, por outro lado, a adesão de 143 países, um número que, em geral, não é atingido em declarações deste tipo.

Quinto, porque oculta que, na raiz dos conflitos, encontra-se a disputa por: a) terras que, sendo inalienáveis e imprescritíveis (artigo 231, parágrafo 4º), colocam-se como “extra comercio” e, portanto, impassíveis de utilização privada e, assim, alvo de cobiça para fins de expansão das diversas monoculturas, ou seja, reconhecida a ocupação tradicional de indígenas, as terras são públicas e, pois, o que se busca, nestas disputas, é “reconduzi-las” ao âmbito privado de apropriação; b) territórios em que se encontra a maior parte da biodiversidade do país e, portanto, ainda a salvo de práticas de devastação ambiental, situação em que se encontram, ademais, também as terras ocupadas pelas comunidades “tradicionais” e mesmo quilombolas.

Ademais, não somente a exploração de lavras em terras indígenas (artigo 231, 3º) depende da prévia consulta dos interessados, mas também o aproveitamento de recursos hídricos e qualquer medida legislativa ou administrativa que possa afetar as comunidades indígenas (Convenção 169), aqui incluídas a construção de barragens e a revisão de demarcação de territórios.

Este direito/dever de “consulta prévia”, ainda não reconhecido oficialmente pelo STF, já o foi, de forma expressa, pela Corte Suprema da Colômbia, como integrando o “bloco de constitucionalidade”, na categoria de “verdadeiro direito fundamental” das comunidades, em discussões judiciais envolvendo a comunidade Embera Katió em disputa com usinas hidrelétricas, os Uwa em luta contra empresa petrolífera, bem como as autorizações para fumigações em plantações de coca na Amazônia.

Sexto, porque, com isto, novas ocultações são produzidas: a) que a propriedade deve cumprir sua função sócio-ambiental, respeitando, simultaneamente, a utilização adequada dos recursos naturais, o aproveitamento racional e adequado, a preservação do meio ambiente, as disposições de relações de trabalho e a exploração que favoreça bem-estar de proprietários e trabalhadores (artigos 186 e incisos), ou seja, não basta a produtividade das terras, mas o respeito de todas as condições constitucionalmente elencadas; b) que o slogan “ terra demais para pouco índio” é o obscurecimento da triste realidade fundiária do país, com imensa concentração de terras em mãos de poucos proprietários, vale dizer, os mesmos que criticam as terras ocupadas pelos indígenas são condescendentes com os latifúndios na mesma região amazônica e com a compra de terras por estrangeiros.

Sétimo, porque, para além do que se tem pensado, o racismo não é somente um processo que inferioriza o negro, mas atinge inúmeras outras populações, como os islâmicos e os índios. Neste sentido, a Declaração dos Povos Indígenas foi explícita no sentido de que “todas as doutrinas, políticas e práticas baseadas ou advogando a superioridade de povos ou indivíduos com base na origem nacional ou racial, religiosa, étnica ou diferenças culturais são racistas, cientificamente falsas, legalmente inválidas, moralmente condenáveis e socialmente injustas".

A discussão das demarcações tem manifestado um explícito viés antiíndio, com manifestações de intolerância e discriminação que devem ser combatidas e rechaçadas, por constitucionalmente atentatórias à dignidade de tais populações e em desconformidade com os compromissos firmados pelo Brasil (artigo 4º, incisos II e VIII e 5º, inciso XLII, CF). Obrigações, aliás, às quais estão vinculados todos os integrantes dos três Poderes, aí incluídos governadores e prefeitos.

Oitavo, porque o reconhecimento da diversidade cultural implica que indígenas são, como novamente destaca a Declaração da ONU, "iguais a todos os outros povos, ainda que reconhecendo o direito de todos os povos a serem diferentes, considerarem a si próprios diferentes e serem respeitados como tais".

É hora, pois, de reequacionar igualdade e diferença, reconhecer a interculturalidade, romper com a idéia de “tolerância imperial” (que, sendo “superior”, permite o “tolerar”) e adotar uma atitude firme contra as intolerâncias e pela descolonização do saber e do poder ( Walter Mignolo).

Isto implica, pois, um requestionamento dos direitos humanos em perspectiva não-eurocêntrica e, assim, o reconhecimento de que a nação brasileira não é européia, mas, fundamentalmente, também afro-indígena. Antes que “Terra brasilis”, como costumam denominar alguns juristas, o Brasil é, muito mais, “Pindorama”, membro de uma América que é, antes, “Abya Yala” (nome dado ao continente pelas populações originais).

No momento em que se comemoram os 40 anos do “maio de 1968”, que repensou as concepções de gênero e sexualidade e colocou a questão do combate ao machismo, ao patriarcalismo e à opressão sexual como novos patamares de direitos humanos, a questão indígena relembra que a luta por direitos humanos não se faz se não combater, ainda, o racismo e o colonialismo.

Para isso, é necessário reconhecer, antes, que o racismo é uma realidade da sociedade brasileira e, tanto mais insidioso, quanto mais “cordial” e difuso em relação aos indígenas e aos negros, e que o fim do processo colonial não implicou o fim do colonialismo, que se manteve vivo nas diversas formas de “colonialismo interno”, em que os descendentes de europeus se vêm como manifestantes de progresso e reproduzem, com os não-europeus, os padrões coloniais. O tema já fora destacado, há cerca de 40 anos, por Pablo Casanova, e que a aimará Silvia Rivera, na Bolívia, constantemente salienta em seus trabalhos teóricos sobre história oral e violências interculturais e na sua vivência prática.

*César Augusto Baldi, mestre em Direito pela ULBRA-RS, doutorando Universidad Pablo Olavide (Espanha) e chefe de gabinete no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Porto Alegre), artigo publicado pela Revista Consultor Jurídico, em 2 de junho de 2008