29/04/2009

Relatório de Viagem à Terra Indigena Ashaninka Brasil/Peru

por Benki Piyanko Ashaninka*

Em minha última visita ao Peru, estive reunido com povo Ashaninka da Comunidad Nativa Sawawo Hito 40, que faz limite com a nossa Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, na fronteira Brasil-Peru.

O assunto da reunião foi sobre invasão de caçadores ilegais peruanos em nosso território brasileiro. Estiveram presentes nessa reunião vários representantes Ashaninka peruanos, como Carlo Txamuskado Camatxo, e outros 15 representantes Ashaninka brasileiros.

Nós ficamos sabendo que as caçadas ilegais com cachorro no Brasil são realmente verdadeiras, assim como a invasão de três lagos com redes, tingui e veneno para matar peixe dos lagos. Perguntamos qual é o motivo dessas invasões aqui no Brasil, porque não faziam isso no Peru. Através de seus depoimentos, soubemos que, o lado peruano, depois das invasões ilegais de madeireiros, as caças foram espantadas. E isto causou um problema grave para a sustentabilidade da alimentação da sua comunidade Ashaninka no lado peruano. Hoje, devido a dinamites disparadas nos rios e lagos e também aos aterros nos rios na época da seca, os peixes desapareceram. Também aumentaram as pessoas na região, vindas da cidade para criar colônias na beira das estradas. Cada vez mais elas se aproximam das terras indígenas, devido à abertura da estrada que a empresa Forestal Venao SRL utiliza para a retirada da madeira, ligando o alto rio Juruá ao povoado de Nueva Itália, no rio Ucayali. Isto está causando um desequilíbrio na estrutura social, cultural e ambiental das famílias da aldeia e na sustentabilidade do seu dia a dia.

Outra pergunta que fizemos foi qual é o benefício que a empresa Forestal Venao deixou para seu povo. Responderam que foi destruição: acabou com sua madeira, a casa, cooperativa e dividiu a comunidade. Hoje, as mulheres ficam sozinhas na aldeia enquanto os maridos e filhos ficam cuidando das máquinas da empresa e dos seus equipamentos, que ficam do outro lado da sua terra, na beira do rio Tamaya, assim tirando da vida cotidiana toda sua felicidade e a beleza do povo Ashaninka peruano de Sawawo.

Nós, Ashaninka da Aldeia Apiwtxa, fizemos uma reflexão sobre este ataque destruidor, a invasão do lado brasileiro e a fragilidade de seu líder. Por causa de um mau líder, acabou se destruindo toda uma cultura milenar e rica, deixando assim a aldeia pobre e triste no lado peruano da fronteira. Isto é culpa da governança peruana, que acaba com suas próprias riquezas naturais e destrói os povos indígenas sem respeito humano. Com isso, cabe a nós cuidar de nosso patrimônio natural. Deixamos bem claro para o povo Ashaninka peruano a nossa responsabilidade, como líderes, de cuidar de nossa terra e de nossa aldeia. Como vocês deixaram invadir seus territórios, por este motivo, se acham prejudicados e pobres neste imenso território de riqueza natural.

Por isso, nós não aceitamos invasão com caçada de cachorro dentro de nossa terra, para pegar caça desta forma predatória. Também falamos da pesca com tingui e rede dentro de nossa terra. Isto, além de ser ilegal, é um crime contra nós brasileiros. Qualquer pessoa que faça isso dentro do Brasil pode ser presa e punida criminalmente. Por isso, não aceitamos isso em nossa terra. Se o povo Ashaninka peruano está sofrendo, nós, Ashaninka brasileiros, não temos culpa. Estamos cuidando do que é de nosso direito.

Deixamos também claro que nós não temos nenhuma intenção de prejudicar nossa relação de amizade, mas como proteger nosso direito. Refleti isto para as demais comunidades, sobre as destruições das empresas madeireiras. Para que essa destruição não chegue na nossa terra, nós vamos manter nossa relação de parentes e de líderes para combater estes crimes ambientas. Assim como nós podemos visitar sua aldeia, nós também temos plena consciência de manter este respeito diplomático com nosso povo Ashaninka peruano, para nortear e combater os problemas causados em nossos territórios e em nossa fronteira.

Fizemos uma fala sobre o nosso plano de gestão territorial, que hoje tem fundamento pelo equilíbrio da biodiversidade, e que todos os Ashaninka da aldeia Apiwtxa criaram juntos, sonhando em um futuro de vida para todos. Criamos áreas de manejo de animais silvestres, da fauna, dos peixes quelônios/tracajás, a apicultura e açudes comunitários para se repovoar os rios e lagos em época de desova e das crias. Hoje, isto se tornou para o nosso povo uma política de proteção e todos nós temos uma responsabilidade por estes planos, assim como o próprio ensino, a educação, se tornou para as crianças da aldeia um modelo de ensino para o manejo da biodiversidade, sem destruição. Assim, criamos um plantio de sistemas agroflorestais, de frutas e madeiras de leis, consorciando a maior diversidade, que hoje se tornou um modelo de merenda escolar para a aldeia. E isto se multiplicou no Estado do Acre para os índios e seringueiros.

Com tudo isto que criamos na aldeia, implantamos na sede do Município de Marechal Thaumaturgo o Centro Yorenka Ãtame - Saberes da Floresta, com o objetivo de trabalhar o manejo da biodiversidade para a sustentabilidade de nossa região, capacitando jovens e líderes indígenas e seringueiros com aulas práticas e teóricas. Nos mini cursos que realizamos no Centro Yorenka no ano de 2008, fizemos contato com vinte comunidades que participaram da capacitação ambiental. De julho de 2008 a janeiro de 2009, duas mil conheceram e estão participando diretamente do projeto. Com esta participação, conseguimos fazer com o grupo de jovens do Município de Marechal Thaumaturgo 50 mil mudas de árvores frutíferas e de madeiras de lei, para reflorestar a área do Centro Yorenka Ãtame e distribuir pela Reserva Extrativista do Alto Juruá, o Projeto de Assentamento do Incra e as terras indígenas. Foram distribuídas sementes e sacos, a partir dos quais foram produzidas 60 mil mudas para o reflorestamento destas comunidades. Também prestamos apoio para o manejo equilibrado de toda a biodiversidade.

Para que este manejo siga monitorado pelos próprios monitores capacitados pelo Centro Yorenka Ãtame, criamos na região, em parceria com a Rede Povos da Floresta, uma rede digital, para fortalecer a comunicação em todas as áreas de proteção. Para que isso se multiplique, criamos também uma parceria com a Prefeitura de Marechal Thaumaturgo, para integrar esse projeto e ajudar a fortalecer a rede de comunicação entre todos os povos.

Através desta palestra com o povo Ashaninka do Peru, deixamos aberta a possibilidade, se tiverem interesse, deles também participar desta capacitação de manejo equilibrado da biodiversidade. O Centro Yorenka Ãtame está disposto a apoiar na formação ambiental de alguns jovens Ashaninka peruanos.

No dia 24 de fevereiro, terça feira, iniciei uma viagem de monitoramento na Terra Indigena Ashaninka do rio Breu. Nesta viagem surgiu a possibilidade de fazer uma visita às comunidades indígenas do Peru. Na Comunidad Nativa Nueva Victoria, participei de várias conversas. Três líderes Ashaninkas contaram os problemas enfrentados nas suas terras. Na chegada, fui muito bem recebido pelas lideranças: tomamos piyarentsi/caiçuma e conversamos bastante. Estava comigo o presidente da Reserva Extrativista do rio Juruá, Domingo, e a antropóloga Érica, aluna do professor Mauro Almeida, da Unicamp.

Na Aldeia Victoria, o cacique Shontaki falou dos problemas enfrentados nestes últimos tempos. Perguntei sobre os problemas de madeira. Shontaki falou que a proposta madeireira ainda continua. Eles tinham feito um trato por três anos para a empresa tirar madeira. Já estava no primeiro ano, agora começava o segundo ano. Estava dando muito dinheiro para a comunidade, mas também estão acontecendo muitos problemas. Tinham resolvido uma solução de crescimento econômico do povo, mas têm muitas realidades futuras para vir que ele tem muitas dúvidas do que pode acontecer.

Outra pergunta: como essa extração de madeira está sendo monitorado pela empresa e pelo povo indígena da região? Muitos problemas enfrentando. Menos da metade da população queria a madeireira na sua terra. Algumas lideranças fizeram protestos políticos contra essas invasões. Deu uma briga entre as comunidades por algumas delas não aceitarem e outras aceitarem. Pelo dinheiro e as mercadorias, isto virou um conflito de comunidades. Alguns líderes foram presos e outros expulsos das suas aldeias. E a política em defesa das empresas madeireiras aumenta cada vez mais, para explorarem as comunidades como foco principal na região.

Outro problema enfrentado com a retirada da madeira foi que a fauna foi se distanciando de sua terra para longe da aldeia. As doenças, como febre, gripe e dengue, ocorreram em grandes surtos, deixando a comunidade preocupada com a morte de algumas pessoas e ainda correndo risco de haver mais mortes. Este foi o depoimento do líder Cshondoke.

Somos vizinhos destas terras indígenas. Temos grande preocupação com isso.
No mesmo dia, o líder Manhaneko falou em seu depoimento da situação geral da região. Em poucas palavras, a situação das comunidades hoje é muito crítica. É triste ver a situação das comunidades nas mãos de empresas, explorando seus recursos naturais de forma irracional, deixando a terra, flora e fauna completamente sem direção, só pela ganância da madeira. Olhando a situação geral, é um desrespeito com a vida dos povos indígenas e com seus direitos, como filhos da terra e seres humanos.

Nestes últimos tempos, ele disse que está observando o avanço da exploração madeireira deixando vários povos sem nada em seu território, enganando o despreparo deles para esta vida do mundo civilizado. Algumas terras indígenas que já foram exploradas pela empresa servem de exemplo para se refletir. Mais muitos líderes já não sabem como sair destas empresas, pelos erros cometidos e as dívidas assumidas. Assim, fica em um mundo de corrupção das empresas. Os líderes são comandados pela empresa a custa do dinheiro. Acabam tomando de conta do poder dos povos das aldeias na floresta.

Hoje 15 terras indígenas Amawaka, Jaminawa, Kulina e Ashaninka sofrem constantes ameaças à sobrevivência em seus territórios. Os índios isolados estão sofrendo agressões das empresas madeireiras e de outros povos que tem contato. Dessa maneira, os isolados se obrigam a deixar as suas malocas para ver outros lugares onde se refugiar. Pelo que foi observado, onde os isolados chegam encontram gente, e não sabem mais para onde vão. Toda a terra e a floresta já estão tomadas pelas empresas petrolíferas e madeireiras. Assim estão destruindo os povos, com seu jeito de domínio corrupto empresarial, usando a mão de obra dos indígenas e fazendo os de escravos, para compra um quilo de sal. É triste ver estes povos escravos e sem nada para nem sequer viver em liberdade.

Outro líder da comunidade Nuevo Eden falou de sua preocupação sobre o que vem acontecendo durante quatro últimos anos. Por motivo da empresa tudo mudou em sua aldeia. Como a sua aldeia é a última nas cabeceiras do rio Juruá, eles foram muito ameaçados pelas madeireiras para entrar em seu território. Roubaram madeiras trabalhando dia e noite, sem parar, expulsaram os índios isolados de suas casas e mataram eles como se mata animais. Os isolados se refugiaram pelos rios em busca de um lugar para ficar. Entraram na comunidade Nuevo Eden, do povo Ashaninka, e mataram pessoas. Teve um confronto entre os isolados e os Ashaninka. Morreram muitas pessoas e os índios isolados fugiram de seu território. Isto aconteceu durante todos estes anos. Desapareceram quase todos de sua terra. Não sabem se foram mortos ou se fugiram dali de sua terra. Os coitados dos parentes, dos índios isolados, ficaram como animais sem saber para onde ir. Isso foi como um terror para eles. Agora, os isolados sumiram. Acham que morreram todos ou saíram para longe dali. Ainda tem, mas são poucos.

Também disse que a empresa tem domínio de seu avião. Eles estão ficando sem nada, sem sal, sabão, porque a empresa diz que o avião só vem com mercadorias a troco de madeira. Eles não querem e nem sabem como fazer para continua a lutar. Querem que o Brasil os ajude com um projeto para trabalharem na agricultura, para vender no Brasil o seu produto, já que o rio é a última saída para eles.

Outro líder, da comunidade Tipisca, falou que, como chefe da Ronda/Guerreiros Ashaninkas, da defesa do povo, está muito preocupado, porque tudo que está acontecendo pode ser um desastre para os povos Ashaninka, Jaminawa e Amawaka. Ele é da Organización Indígena de La Región de Atalaya (OIRA). Faz o papel de polícia, comanda os guerreiros Ashaninka. Atende aos pedidos das comunidades quando elas chamam, quando se vêem ameaçadas demais. E elas estão vivendo este drama de destruição. O governo é quem dá esta liberdade, por meio das concessões madeireiras e pela não punição da extração ilegal de madeira. O país está totalmente desequilibrado, sem lei. É muito duro lutar por um direito que o governo do país não cobra e nem dá prioridade. Está tudo fora de controle. Eles estão à procura de meios para que os povos indígenas possam se manifestar sobre estes ataques aos seus territórios e aos seus modos de vida. Para tal, é muito importante termos uma rede de comunicação de grande abrangência com o mundo.

Eu, como líder e ambientalista do povo Ashaninka do Rio Amônia, da Aldeia Apiwtxa, vejo tudo isso como uma falta de respeito com a natureza. Quem já viu uma árvore morta dar frutos? Quem bebe água já viveu na seca. Vejo que a mudança global está na destruição feita pelo homem. Será que as pessoas não imaginam na sua vida e nas vidas dos outros? É triste sentir isto e não poder fazer uma mudança. É pouco o que faço para ajudar o mundo no meio de bilhões de seres humanos que destroem. Eu estou fazendo a minha parte.

Como nós precisamos da Terra, a Terra precisa de nós. Meus irmãos, parentes, seres humanos, reflitam sobre este drama que estamos passando para viver mais tempo na Terra. Quantos países e pessoas precisam de nós? E quanto nós precisamos de outros países? Para refletir. Como exemplo, a Índia, a África, se vêem pobres, além da pobreza. Temos os países ricos, como os Estados Unidos e a França. Considero o Brasil, nosso país, o mais rico do mundo. Por isso, temos que refletir como construir nossa riqueza equilibrada. Vendo essas coisas no Peru, me dói só em saber que não tem domínio. Vendo o que está acontecendo com as comunidades, sinto no coração um espírito descontrolado por homens sem planos, que destroem a natureza que tanto precisamos para viver na Terra.

Sei que não é preciso destruir nossa riqueza natural para sobreviver. Quantos milhões de índios viviam na floresta e não a destruíam? Pawa, nosso Deus, deixou tudo para todos nós. Mas, estamos no meio da história de destruição. Respeitem o que Pawa fez para nós, como vida, não como destruição.

Minha Terra é limpa e meu espírito corre incansavelmente para ajudar quem precisa. Quero aliar as forças dos que se manifestarem para mudar esses problemas. Eu estou junto para ajudar a propor diálogos e propostas de vida. Como um mensageiro da Terra, deixo esta mensagem, que escrevi como uma reflexão para todos nós, brasileiros. Eu, como ganhador do Prêmio dos Direitos Humanos, espero que não venha acontecer no Brasil o mesmo que está acontecendo no Peru.

* Benki Piyanko Ashaninka, Vice-Presidente da Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa), Coordenador do Centro Yorenka Ãtame - Saberes da Floresta. Aldeia Apiwtxa, Terra Indígena Kampa do Rio Amônea, 15 de março 2009

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