03/11/2007

Madeira, ouro e cocaína no Paralelo 10

por José Carlos dos Reis Meirelles*

Tenho a impressão que escolheram o nosso pessoal da Frente Envira como alvo de tiro para iniciantes. Algum grupo de índios isolados - pouco provável - conseguiu roubar armas e munição e vem testando na gente a "novidade", ou, o que é pior, a mando de madeireiros, índios não vão mais nos dar folga.

Atiraram no nosso mateiro, o Jaboti. O chumbo, desta vez, acertou suas costas, ao contrário do tiro no Beré. Mas, felizmente, o cartucho devia estar molhado e o chumbo entrou só no couro grosso de Jaboti.

Acho que o nosso estoque de sorte está esgotando. No Beré, foi o tronco do paco-paco salvador. No Jaboti, o cartucho ruim, velho ou molhado. Uma hora o cartucho estará bom e a mira certa. É uma questão de treino dos atiradores.

E eu fico pensando na realidade do nosso serviço público. Não posso contratar meus mateiros. Tenho que pagá-los contra-recibo. O cara ganha a mixaria de R$ 500,00 por mês. Está longe da família, defedendo o território dos isolados. Esse mateiro dá resultado, pois defende o meio ambiente de fato. Esses homens mereciam um tratamento melhor do Estado.

Sabe o que a Funai fez com o cargo de mateiro? Extingiu de seus quadros. Afinal, pra que gente em campo? Pra defender o meio ambiente, os indios? Tem que ter, ao contrário, é um monte de assessores ganhando fortunas, cagando regras.

Um bando de técnicos em computação monitorando a desgraça via satélite, aviões e helicópteros, mas que só servem para constatar quando o estrago já foi feito. Para prevenção, para gente que leva tiro para defender a floresta, nada pode. E quando se pede um suprimento para pagar os mateiros a Funai fica frescando, dizendo que não pode, que isso e que aquilo.

Paciência tem limite e o couro dos mateiros não é de ferro.

Não seria melhor entregar ao Peru esta parte do território brasileiro esquecida pelo Estado brasileiro? Os madeireiros vão ficar felizes e explorarão toda a madeira que há, os traficantes plantarão grandes roçados de coca, algum garimpeiro poluirá de mercúrio as águas do Envira a procura de ouro.

O burocrata terá mesa e cadeira de mogno prá sentar sua bunda e olhar a telinha de seu notebook. Vai ter muita cocaína nos embalos das boates de Brasília com as peruas de silicone balançando seus anéis e braceletes de ouro. Tudo made in paralelo 10.

*José Carlos dos Reis Meirelles, sertanista, é funcionário da Funai e chefia a Frente de Proteção Etno-Ambiental do Rio Envira, na fronteira do Brasil com o Peru. Sábado, 3 de Novembro de 2007. Direto do Blog do Altino

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