Mundo ashaninka funciona sem burocracia
por Elson Martins*
O site da Biblioteca da Floresta Marina Silva continua em construção. Por isso não foram disponibilizadas na internet, ainda, as falas dos chefes Ashaninka do rio Amônia - Shãsha (Francisco) e Txeni (Moisés) - gravadas dia 18 como parte dos "diálogos da Florestania". Antecipo, entretanto, anotações que consegui fazer na ocasião. Vale a pena refletir sobre o que eles dizem:
foto Almanacre
Francisco (Shãsha) e Moisés (Txeni): “Nosso mundo é complexo e funciona bem”
FRANCISCO (Shãsha) ASHANINKA:
- Os povos indígenas se organizam com um projeto de vida bem complexo. Pará nós, o defeito quando acontece não está na pessoa, mas no nosso jeito de orientar. A responsabilidade é de todos. Na aldeia você é membro de uma grande família. Eu não posso ter o respeito só com meu pai, meu avô. Tenho que chamar a todos de pai, mãe, avô, irmão. Falo que tenho 50 pais, 50 mães, 200 irmãos. Essa é uma segurança que a gente tem. Não se chama ninguém pelo nome. Chama de pai, irmão, avô...
- O particular está no contexto social do grupo: é praticando que se mostra o que faz. Uma criança cresce aprendendo a fazer tudo. Isso é básico, para ele aprender a viver na sociedade. Quando dois jovens se casam, eles vão construir isso, para serem contados como parte da aldeia.
- Entre nós existe uma organização profunda, o nosso mundo funciona bem. Não tem burocracia. Sai tudo de dentro da pessoa, nada vem de fora.
- Quando separaram nossa floresta em Brasil e Peru, na passado, sentimos que estávamos morando na terra dos outros. Os não índios impuseram regras. Então, um outro tempo de nossa vida foi garantir nosso território. Foi difícil, a maioria de nós desconfiava: será que querem acabar com a gente? Mas começamos a nos sentir seguros com o movimento dos seringueiros e de outros grupos indígenas.
- Esses processos não mudaram nosso jeito de pensar. Mas fomos forçados a colocar em questão o diálogo com outros grupos. Estamos vivendo hoje um momento que nos deixa muito felizes.
- Nós entendemos o canto dos pássaros e outros sons da floresta, e ficamos tão íntimos dela que passamos a entender tudo. Quando um não índio chega a nossa aldeia, a partir do jeito como ele olha a gente, já entendemos como nos vê. Nem precisa falar. Às vezes as pessoas falam coisas bonitas mas não passam segurança. Elas precisam começar a "ver" de verdade.
- O problema dos Ashaninka é um problema do planeta. Queremos dialogar com o mundo inteiro. Não queremos ser do jeito de vocês, nem que vocês sejam como nós. Mas estamos no mesmo barco.
MOISÉS (Txeni) ASHANINKA:
-Tradição é uma palavra muito forte. É como uma árvore que está em pé, fincada na terra, mostrando sua beleza e dando frutos. A mesma coisa é a idade. Uma geração trabalha para as novas gerações.
- Muitos não índios fazem perguntas sem sentido para as quais não temos resposta. É como colocar um barco onde não tem rio. É preciso dar significação às perguntas. Eles costumam tratar a gente como pessoas que não sabem nada. Eu não vou perguntar algo assim a vocês. É preciso haver respeito entre os povos. Sem respeito não existe diálogo.
- Semente, árvore, folha, flor... nosso povo conhece isso e também o espírito das árvores. É dessa forma que sabemos respeitar a floresta. Para nosso povo todo mundo é doutor e todo mundo é mestre. Porque você sozinho não sabe de nada. Mas, juntos sabemos tudo.
- Esse diálogo (entre saberes) é uma coisa muito bonita. É uma coisa que, mais para frente, vai permitir aos não índios entenderem que no nosso mundo tem tudo que precisamos, como no mundo de vocês.
*Elson Martins, Almanacre, Página 20, Rio Branco, 28/10/2007
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