por José Carlos dos Reis Meirelles*
Para quem não sabe, paco-paco é uma árvore que cresce na beira de todos os rios do Acre, também conhecido como algodoeiro. É madeira mole, levíssima e que tem muitas serventias. Cortado em pedaços pequenos, dá excelente bóia de malhadeira, cortado em toras, é madeira usada para fazer balsas quando não existe canoa para travessia de um rio ou igarapé de repiquete. As crianças, índias e brancas, fazem pequenas canoas e ubás de seu âmago mole e bom de trabalhar. Suas folhas servem pra cobrir a carga em viagens no verão, quando a chuva inesperada chega. Sabendo usar e fazer, sua casca dá boa corda.
E assim o paco-paco vai paco-pacando sua vidinha leve e tranqüila, com as raízes fincadas nos barrancos dos rios, satisfeito com suas utilidades. O Beré, mateiro da Frente Envira, sabedor de todas elas, recentemente descobriu outra, inédita.
Pois bom, Beré estava voltando para casa com o Chicão, de uma caçada num sábado, de canoa. Nestas horas o mateiro cansado de andar e carregar a caça nas costas, vem com aquele olhar perdido no horizonte. De um olho só. O outro vem conferindo o barranco. Um olho na banana e outro na irara! Por lá tem índio isolado, flechadas. Mas ninguém consegue ver através da vegetação da beira do barranco. São inúmeras espécies de plantas barranqueiras disputando a luz do sol, criando um muro verde na beira. O paco-paco do Beré, também está nesta disputa, jovem ainda, um palmo de roda, planejando crescer, florar e despejar suas flores no rio para encher o bucho das pirapitingas.
De repente um tiro! A água, bem do lado do Beré é espalhada pelo chumbo, que passou muito próximo de suas costas. O Chicão acelera o motor e chega logo em casa. Passado o susto, no outro dia, de manhã, o pessoal foi verificar o local do ocorrido. Ainda estavam lá alguns “índios isolados” que correram e deixaram uma flecha com as penas amarradas com linha de nylon 020 multicolor, que só tem pra vender no Peru, ou na Feira do Paraguai, em Brasília.
Foi aí que viram o paco-paco com a banda toda lascada por um tiro. O atirador deve ter acompanhado o movimento da canoa com a espingarda e na hora exata em que apertou o gatilho, o paco-paco do Beré estava ali, entre a linha de tiro e suas costas. Desviou a camaçada de chumbo o suficiente para que o tiro desse na água.
O Beré escapuliu, como se diz por aqui. Os madeireiros peruanos estão mandando “índios isolados” atirarem na gente. Não sei como o governo brasileiro pode negociar com o do Peru, para acabar com esta exploração irracional de mogno nas fronteiras dos dois países, protegendo seus parques, terras indígenas e “nóis que véve nas fronteiras”. Digo dos dois países porque os patrícios peruanos, vez por outra, invadem nosso território para roubar mogno.
O que sei, e principalmente o Beré sabe, é que até agora podemos contar mesmo é com a proteção do santo paco-paco.
*José Carlos dos Reis Meirelles, sertanista, é chefe da Frente de Proteção Etno-Ambiental do Rio Envira, na fronteira do Brasil com o Peru.
Direto do Blog do Altino
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