29/07/2007

Carta da Comunidade Apiwtxa sobre as invasões na fronteira Brasil/Peru








Nós, Ashaninka da Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, uma população de 400 habitantes, temos um território demarcado em 1992, com 87.205 hectares, na fronteira do Brasil com o Peru.

Nessa terra estamos cuidando para sempre ter os recursos naturais para garantir a nossa cultura, a nossa própria forma de conviver sem causar poluição ao nosso ambiente e para respeitar os nossos vizinhos.

Desde 1999 estamos sendo afetados diretamente por empresas peruanas que exploram madeira na fronteira e têm em várias ocasiões invadido a nossa terra indígena. Devido às nossas campanhas e mobilizações, essas invasões já são do conhecimento dos governos brasileiro e peruano e de várias instituições internacionais.

As autoridades brasileiras vêm lutando contra essas invasões, por meio de operações de fiscalização e de combate à exploração ilegal de madeira na fronteira internacional. Mas, os invasores insistem em desrespeitar o limite da fronteira, afetando a vida e a cultura do povo Ashaninka, seu ambiente e os recursos naturais que tanto lutamos para recuperar.

Como é do conhecimento de todos, os Ashaninka que vivem em terras ao longo da fronteira do Peru firmaram convênios de exploração de madeira em seus territórios. Isso nos causa dúvidas se são manipulados por uma política do governo peruano junto com as empresas madeireiras.

A comunidade Sawawo Hito 40 é formada por famílias que desde 1930 vieram em busca de liberdade e até hoje permanecem nessa região. Em 1999, tiveram seu território titulado. Logo depois, firmaram um contrato com a empresa Forestal Venao SRL para explorar seus recursos florestais. A empresa prestou apoio técnico e político para que a comunidade conseguisse aprovar junto ao Inrena o plano de manejo de seu território. Poucos anos depois, a comunidade Nueva Shahuaya, formada por famílias vindas de outras regiões do Peru, também teve o seu território reconhecido pelo governo peruano. E também contou com apoio da Forestal Venao para explorar a madeira de suas florestas.

Desde então, as lideranças dessas comunidades mudaram de comportamento. E passaram a nos considerar, os Ashaninka do Brasil, como inimigos, porque tentamos ajudá-los a encontrar outras alternativas que não nos afetassem no lado brasileiro.

Nós, que somos vizinhos, parentes por pertencermos o mesmo povo, parentes da maioria das famílias de Sawawo, nos sentimos não só afetados pela exploração devastadora dos recursos naturais, mas pela cultura e pela relação política que parece cada vez pior e pode levar a sérios conflitos.

Isto tem se fortalecido cada vez mais porque a empresa Forestal Venao está se utilizando do convênio e da regência florestal sobre os territórios das comunidades Sawawo e Nueva Shahuaya para expandir suas atividades em toda a fronteira, explorando madeira ilegalmente, mesmo dentro do território do Brasil. A Venao também está apoiando a criação de novas terras indígenas do lado peruano, trazendo famílias de outras regiões. As lideranças dessas comunidades estão aliadas com a empresa, com interesse de explorar madeira na fronteira do Brasil com o Peru. Isto, por exemplo, está acontecendo mais recentemente no rio Breu.

Nós, Ashaninka do Brasil, somos a favor da criação de novas terras indígena, desde que estas sirvam para os Ashaninka morarem. Mas não como pontos de apoio para uma exploração de madeira, de forma desequilibrada, em benefício da empresa Forestal Venao, que afeta as comunidades e o país vizinho, bem como o planeta.

Essa região de fronteira precisa ser apoiada pelos governos dos dois países Brasil e Peru, e por quem está financiando e certificando a exploração. Essas políticas devem visar o bem das populações que ali habitam, por meio de grandes projetos de sustentabilidade natural dos recursos florestais, da caça e da pesca, para garantir a diversidade desses recursos e das fontes dos maiores rios de água doce do mundo. E não para causar a destruição!!!

Do lado peruano, o que vemos é que o nosso povo Ashaninka está sendo manipulado por grande frentes de exploração de recursos naturais, principalmente da madeira.

Exigimos um esclarecimento dos grandes financiadores de projetos de conservação ambiental do mundo. Por que seus países compram madeira de um lugar tão importante, que filtra o grande processo de poluição de seu países, e que agora está sendo destruído? Boa parte da madeira exportada por empresas peruanas, dentre elas a Forestal Venao, é de origem ilegal, e parte dela é saqueada de terras indígenas e unidades de conservação do lado brasileiro da fronteira internacional.

Nessa região, essa exploração madeireira não está destruindo só o povo Ashaninka, mas também povos indígenas isolados (em isolamento voluntário, como dizem no Peru). Os territórios desses povos estão sendo cada vez mais invadidos por madeireiros. As malocas são atacadas e destruídas, "correrias" continuam sendo feitas e doenças são introduzidas, causando grande número de mortes.

Sabemos dessas informações porque, em junho de 2003, presenciamos um conflito nas cabeceiras do rio Juruá, onde morreram Ashaninka e vários índios isolados, como conseqüência da exploração madeireira ilegal.

Por causa das ações das madeireiras, grupos de índios isolados que vivem do lado do Peru estão fugindo para as cabeceiras dos rios Envira, Humaitá e Tarauacá, no lado brasileiro. Ali têm entrado, à procura de lugar para viver, em terras indígenas dos povos Kaxinawá, Kulina (Madijá) e Ashaninka. Estes fatos têm sido divulgados pelo sertanista José Carlos dos Reis Meirelles, da Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira, da Fundação Nacional do Índio (Funai), que tem alertado para a possibilidade de graves conflitos entre os isolados e os índios Kaxinawá, Kulina (Madijá) e Ashaninka.

Nós, Ashaninka do Rio Amônia, estamos muito surpresos e preocupados com a decisão do Programa SmartWood, da Rainforest Alliance, que preferiu desconsiderar os vários ilícitos cometidos pela Forestal Venao nos últimos anos, e, em abril de 2007, certificou essa empresa com o padrão FSC. No nosso ponto de vista, essa foi uma decisão equivocada, pois as atividades da Forestal Venao há vários anos vêm causando graves problemas ambientais em nossa fronteira, colocando em risco de extinção vários povos nativos, rios de água doce, animais e a biodiversidade da floresta. E tem, em várias ocasiões, invadido nossa terra indígena e agora a Reserva Extrativista do Alto Juruá.

Para tomar a decisão de certificar a Forestal Venao, o Programa SmartWood deveria ter feito uma consulta à população do entorno, para saber quais têm sido as práticas e as verdadeiros impactos ambientais, sociais e culturais da Venao, inclusive em Território brasileiro.

Por mais que as comunidades Ashaninka de Sawawo Hito 40 e Nueva Shahuaya tenham planos de manejo aprovados pelo Inrena, eles não estão sendo cumpridos. Esses planos têm servido também para legitimar a exploração ilegal de madeira, em territórios indígenas e áreas de conservação, tanto no Peru como no Brasil. Quando se acaba a madeira de um lugar, rapidamente expandem a atividade para outra região, abrindo estradas pela floresta e retirando madeira com maquinário pesado. A madeira extraída ilegalmente tem sido "branqueada" por meio desses planos de manejo e vendida no Peru e no exterior como se fosse originária de áreas manejadas e certificadas. Ao certificar a Forestal Venao, o Programa SmartWood veio dar respaldo a práticas ilegais, totalmente contrárias às que dão fundamento ao padrão FSC de certificação.

O nosso território Ashaninka no Brasil está há vários anos sendo invadido pela Forestal Venao para extrair madeira e pelos Ashaninka da fronteira do Peru para retirarem caça e pesca.

Vários problemas estão ocorrendo. Além da destruição de nossa floresta e dos recursos que nela existem, outro problema importante está sendo a contaminação de nossos rios e peixes. Isto está acontecendo nas cabeceiras do rio Amônia, cuja nascente fica no Peru, onde está a exploração madeireira feita pela Forestal Venao.

O peixe para nós nessa época do ano é a maior fonte de subsistência alimentícia. Hoje, ele não pode ser por nós consumido. O peixe está contaminado e precisa ser urgentemente analisado. Mesmo assim, por necessidade, muita gente continua comendo esses peixes, não só nós Ashaninka, mas também os brancos de nossa região e inclusive da sede do Município de Marechal Thaumaturgo.

Mais uma vez, exigimos providências urgentes e definitivas para acabar com esses problemas que estamos vivendo nesta região de fronteira há vários anos. Os governos do Brasil e do Peru devem se articular para pôr um fim às atividades ilegais promovidas pelas empresas madeireiras nesta região. Projetos devem ser viabilizados para garantir a fronteira internacional, as terras indígenas e as áreas de conservação e apoiar alternativas locais de desenvolvimento para os povos indígenas que ali vivem.

Do Programa SmartWood, exigimos uma avaliação verdadeira das atividades que a Forestal Venao vem realizando nos rios Juruá e Amônia. As provas de suas atividades ilegais, no Peru e no Brasil, são conhecidas pelas populações que aqui vivem, bem como pelas autoridades do Governo brasileiro. Sua certificação, um passo equivocado, deve ser imediatamente revista, para evitar que essas ilegalidades continuem a pôr em risco a biodiversidade e os povos indígenas em nossa região.

Comunidade Apiwtxa Ashaninka
Terra Indígena Kampa do Rio Amônia,
Domingo, 29/07/2007

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